Flávio Cruz

Esse estranho mundo...

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O último raio de sol
 
Estava fazendo um ano desde que as intempéries finalmente haviam cessado e a face da Terra se estabilizado. Era uma estranha era de sombras e cinzas. Vinha um calor do espaço, mas muito raramente se via a luz do sol. Três quartos das espécies vegetais e animais haviam sumido completamente. Havia o perigo de que alguns animais, depois de terem sobrevivido, tentassem atacar os humanos em busca de aliemento. Das espécies vegetais que tinham sobrado, muitas estavam imprestáveis e haviam se tornado tóxicas. Apenas um oitavo da espécie humana tinha resistido à brutal experiência e vagava em partes dispersas do mundo, tentando sobreviver. O perigo estava em toda a parte.
Doze grandes meteoros haviam atingido a Terra, causando um total desequilíbrio por toda a parte. Tsunamis de proporções inconcebíveis, chuvas tóxicas e poeira contaminada haviam devastado tudo. Incêndios bárbaros tinham consumido a maior parte das matas. Uma densa camada cinza, formando uma imensa nuvem escura, cobria toda a paisagem. Humanos, agora quase animais, moravam nos restos das poucas  moradias que haviam sobrado. Migravam o tempo todo em busca de alimentos e de um meio ambiente melhor.
O nascimento de Tales, quase 8 meses após o “apocalipse” foi praticamente um milagre. Os casos de mulheres grávidas que conseguiram manter seus filhos no ventre durante os primeiros meses após o “evento” eram raríssimos. Evandro e Raíssa, os pais, nem acreditavam quando ele nasceu praticamente perfeito, apenas desnutrido e mirrado. O leite da mãe foi fundamental para sua sobrevivência.
Tinham finalmente conseguido um bom lugar para ficar. Uma espécie de condomínio, não muito longe do mar. Na verdade, moravam no pouco que tinha restado. Era um lugar alto, não tinha sido atingido pela massiva invasão das águas do mar. As praias, que antes estavam a cerca de quarenta quilômetros, agora tinham desaparecido. A água estava ali perto, a menos de 700 metros, interrrompida apenas pelas colinas. Havia pouca gente que tinha descoberto aquela região para morar e a situação estava tranquila agora. Tinham conseguido  separar algumas mudas de planta para cultivar. Cada três ou quatro dias, um sol fraco e tímido ousava se espalhar sobre a paisagem. E, muito importante, havia água potável.
Os três, os pais e a criança, passavam muito tempo juntos. Havia muita conversa. Embora Tales fosse muito pequeno para entender, os pais contavam muitas histórias de antes do evento. Lá no fundo, repetiam as coisas mais para si mesmos, para não se esquecerem do tempo maravilhoso que tinha havido antes e para o qual, na época, não davam valor nenhum. Na verdade, quem mais falava era o Evandro. E do que mais falava era do pôr de sol  e das lindas alvoradas. Ele sempre gostara de olhar para o horizonte no nascer e no final do dia. Tinha saudades.  Agora quase só havia o cinza do dia e o escuro da noite.
Às vezes parecia até que ele estava sonhando ou delirando. Falava do tom laranja, rosa, cor de ouro, das nuvens banhadas pelo sol que se punha. Falava dos raios solares, rebeldes, escapando por entre as nuvens, rasgando o céu, reverberando no espaço. Era como se Deus pintasse um novo e maravilhoso quadro todos os dias. As manhãs eram parecidas, mas tinham cores mais fortes, mais brilhantes. Falava dos filamentos de ouro no céu, desenhados pelos aviões por causa da diferença de temperatura e do banho que tomavam da luz solar. Aquilo era um sonho, um brinde da natureza. Agora não havia mais nada, nem mesmo os aviões. Tudo estava, porém, em suas lembranças e dentro de suas almas.
Por algum motivo, Raíssa não gostava de quando ele se empolgava com a descrição. Talvez achasse que aquilo era dar falsa esperança para o pequeno Tales, de que um dia, aqueles lindos quadros, pintados por Deus, pudessem voltar. Talvez achasse que era mais sadio se conformar com a nova situação. Talvez achasse que aquilo fosse doentio, uma maneira insana de enfrentar este novo e triste mundo, esta nova realidade.
Evandro, entretanto, conhecia bem sua mulher. Sabia que ela nunca fora de perder tempo em olhar essas cores maravilhosas da natureza. Com certeza, ela nunca tinha notado essas mudanças no céu, que ficava salpicado de dourado e de tons róseos. Ela tinha passado a vida de antes do “evento” sempre ocupada com outras coisas, sem ligar para a natureza. Agora tinha raiva do que o marido sentia, das lembranças que ele podia ter.
Dentro de seu coração, Evandro sabia, ela tinha inveja das suas recordações. O seu cérebro era o único lugar onde agora havia o dourado e inesquecível equilíbrio de tons e brilhos do poente e do nascente. E Evandro estava determinado a jamais deixar um só raio, sequer, desaparecer de sua memória. Por isso contava e recontava cada espasmo de luz que tinha visto, através dos dias, das horas e dos minutos...

 
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Flávio Cruz
Enviado por Flávio Cruz em 15/09/2016
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