Flávio Cruz

Esse estranho mundo...

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Passageiro de passagem

Estava voltando para casa. Fazia tanto tempo, que nem sequer me lembrava mais como era. Provavelmente tinha mudado e iria ser uma decepção. Sabe, quando a gente não se lembra dos detalhes e os vai substituindo por outros, perfeitos, bonitos? No final, acaba sendo aquela decepção. E as pessoas? Teriam envelhecido? Pessoas tão próximas, pessoas queridas. Como iriam se lembrar dele? Iria ser tratado como antes?
E o trem ia rápido, voava. Os postes quando apareciam ao lado da janela, já tinham ido embora e aquele que eu estava vendo, já era outro, que também já estava indo. Ao longe, porém, a paisagem não mudava quase nada. Para ser mais preciso, fazia já algum tempo que não mudava nada, mesmo. Parada. É a ilusão. Somos assim, só vemos o movimento de perto. Aquelas estrelas no céu: você pensa que elas não se mexem? Fantasticamente mais rápido do que sequer possamos imaginar. Pode acreditar.
Estava preocupado com as pessoas queridas. Fazia tanto tempo, não conseguia mais me lembrar de seus rostos, de seus sorrisos. Nem da casa eu me lembrava direito. Nem a cor, nem o telhado. Nem sabia se havia um muro, não sabia a cor das paredes também.
Estava reparando, de repente, que a paisagem próxima da janela, embora alucinante, era sempre a mesma também. Repetia, insanamente os mesmos postes, as mesmas pedras, o mesmo tudo. E se tudo aquilo fosse uma ilusão? Não havia trem, não havia casa e nem as pessoas queridas? Tudo apenas uma vontade enorme de ser, sem poder.
Eu acho, agora, que é isso. Sou apenas uma imaginação, um passageiro personagem, personagem do destino, uma criação, fútil do meu escritor. Só existo na cabeça dele, de ninguém mais.  Uma pessoa vazia, sem imaginação. Sou só a vontade dele, o seu pensar, o destino que ele quer me dar. Pelo menos, agora, você que está lendo, me conhece também. Prazer em conhecê-lo. Meu nome não posso dizer, pois não sei. Acho que ele, meu escritor, não sabe também. Não, por enquanto. Um dia, ele vai saber. Talvez quando esse trem louco, desvairado, parar em alguma estação qualquer do destino. Ele, porém, como eu, só vai parar quando o autor quiser. Igualmente, o trem  também é um personagem, e seu nome eu também não sei.


 

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Flávio Cruz
Enviado por Flávio Cruz em 18/07/2016
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