Eu não existo
Ferguson era seu nome. Inteligentíssimo, executava suas obrigações com maestria, dedicação, eficiência. Embora fosse altamente técnico, conseguia demostrar afetividade, compaixão e carinho para com as pessoas. Todos gostavam dele. Era uma espécie de gerente de relações públicas da grande companhia “Simuladores Ultracern”. Na verdade, ele cuidava de tudo. Verificava se a produção estava em ordem, se os funcionários estavam felizes, se o andamento geral da sua unidade estava nos eixos. A maior parte dos trabalhadores tinham funções de monitoração, uma vez que a totalidade das funções mecânicas era feita por robôs.
Um dia, sem mais nem menos, ele confessou para Anita, a sua companheira de trabalho e uma espécie de secretária:
-Anita, acho que eu não existo.
A Anita levou um susto, mas logo se recuperou. Obviamente ele estava brincando. O dia passou assim, mas no dia seguinte, logo cedo, ele sussurrou de novo para Anita:
-Anita, definitivamente eu não existo.
-Que bobagem, Ferguson! De onde você tirou essa ideia absurda?
-Pequenas coisas, Anita, pequenas coisas. Em primeiro lugar, presta atenção no meu nome. Ferguson! Todo mundo tem nome hispânico por aqui e isso faz sentido pois estamos em Manágua.
-Isso não quer dizer nada! Que absurdo!
-Talvez não, mas isso me fez pensar em outras coisas.
-Que coisas?
-Por exemplo, eu só me lembro de coisas aqui da firma. Não me lembro de nada antes disso. E eu ouço s pessoas conversarem sobre suas vidas, sobre suas infâncias, família. Aliás, eu nem família tenho.
-Isso não quer dizer nada. Eu também não tenho família!
-Talvez você seja como eu. As outras pessoas por aqui são diferentes, posso sentir. Eles têm uma vida, nós não temos.
-Não entendo o que você está dizendo!
-Eu não existo, Anita. Não sou uma pessoa. Você também não, só que você não sabe.
Anita ficou preocupada com aquela conversa e relatou o incidente para o diretor geral da empresa, como deveria fazer.
Não demorou muito, chegaram alguns robôs, colocaram uma espécie de cartão na nuca do Ferguson e o enfiaram numa cápsula. Foi transportado para uma grande sala do subsolo onde havia estranhas máquinas.
Em segundos saiu o diagnóstico. Realmente não era para o Ferguson estar trabalhando ali, naquela unidade. Ele era uma unidade avançadíssima, preparada para ter autoconsciência e trabalhar em laboratórios avançados do Departamento de Ciência, mas alguma coisa não tinha funcionado bem e ele foi reprogramado para trabalhar em Manágua.
Alguém, porém, tinha esquecido de desativar a função de autoconsciência de Ferguson, e de repente ele começou a se sentir estranho, como se não existisse.
De fato, ele não existia. Não existia como ser humano, embora tivesse quase tudo que um humano tem.
Era o ano 3021 e as máquinas inteligentes estavam por toda a Terra. Os humanos apenas faziam o controle e eram servidos por elas.
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À procura de Lucas Flávio Cruz
Enviado por Flávio Cruz em 27/05/2016
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