Flávio Cruz

Esse estranho mundo...

Textos

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As pílulas do Doutor Sampaio
 
O Léo não andava nada bem. Tristeza, depressão, falta de ânimo pela vida. Às vezes, tinha surtos de alegria intensa. Curtos, muito curtos. E ele não queria nem ouvir falar em médico. Psiquiatra, psicólogo? Nem pensar!
Chegou uma hora, entretanto, que não deu mais. Era um perigo deixar um rapaz naquele estado andando por aí, isso sem contar o sofrimento. A família deu um jeito, e, com jeito, levaram-no para o doutor. Esse era daqueles bem práticos. Conversa não adianta nada. Fez uns testes e receitou um monte de remédios. No começo, a própria irmã do Léo é que separava os comprimidos. Um branco, cinco azuis, duas vezes por dia. Havia também um amarelinho que era só à noite.
E não é que a medicação do Doutor Sampaio estava funcionando? Dois dias depois o Léo já estava bem melhor. Depois de uma semana estava claro que ele já podia cuidar de si mesmo e ingerir todas aquelas pílulas.
Um mês depois, uns dias antes da nova consulta, o rapaz sentou-se no sofá da sala. Estava feliz. Agora sim estava entendendo o que se passava com ele e queria continuar com aquele tratamento. Por falar nele, lá estavam, do outro lado, sobre a cristaleira, aquelas pílulas milagrosas. Branquinhas, azuis, amarelinhas. Um milagre da Medicina. Fechou os olhos por uns segundos e podia ver aquelas luzinhas coloridas brincando no ar. O azul às vezes se destacava, crescia, aumentava e depois ficava nebuloso. Depois era a vez daquele amarelo bonito que ia e vinha pelo ar. Depois todos os comprimidos se misturavam num perfeito arco-íris. De repente, o Léo se lembrou que era hora de tomá-las. Levantou-se e atravessou a sala, foi até a cozinha e voltou com um copo de água na mão. Pegou os três frascos e colocou-os na mesinha da sala. Abriu aquele com as bolinhas azuis e pegou cinco. Depois ficou em dúvida. Achou que eram cinco brancas e uma azul e não o contrário. Será? Mas por outro lado a azul parecia mais importante e resolveu pegar cinco de cada. Depois pegou as amarelos. Sabia que era um só e era à noite. Mas por uma questão de simetria, era melhor cinco de cada. Colocou-as na palma da mão. Antes de engoli-las, pensou como aquela azulzinha fazia bem. Tinha certeza de que ela era a mais importante das três. E ele queria ter uma noite feliz. Pegou mais cinco daquelas azuis. Só para garantir. Azul, cor de anil, cor da felicidade. Talvez fosse perigoso tomar tudo aquilo, pensou. Mas quando pensou, já tinha tomado. Recostou-se no sofá e alguns minutos depois já se sentia mole e gostoso. Dormiu profundo, o Leo. O profundo mais profundo de sua vida.
Nunca mais acordou.
Alguns dizem que foi suicídio, outros que foi um acidente. Que comprimidinho poderoso aquele azul. Azul, azul cor do céu.
 
Não sei por que me lembrei das pílulas de vida do Doutor Ross. Que saudade!
 
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O texto acima não faz parte do livro abaixo
 
Essa vida da gente
 
 
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Flávio Cruz
Enviado por Flávio Cruz em 11/09/2015
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