Voltando à Sara, ela estava completamente curada. Mais do que isso. Agora ela tinha uma vida de verdade, cheia de motivação. Ainda por cima, quase por milagre, aquela grande amiga de sua juventude, a Aurora, havia se mudado para bem perto da casa dela. Sara desconfiava que aquilo tinha sido coisa dos tais de “técnicos sociais”. Aurora confidenciou que uns funcionários do governo a visitaram. Andaram fazendo perguntas sobre sua solidão, o que estava sentindo e quando percebeu, estava sendo convidada para se mudar. E surpresa: bem ali, pertinho da sua grande amiga, a Sara. Estavam numa felicidade indescritível, parecia até uma coisa do outro mundo. Todos os problemas haviam desaparecido como por milagre. Faziam coisas juntas a maior parte do tempo. Divertiam-se a valer, não tinham com o que se preocupar. Monotonia era coisa de um outro mundo, distante, Sara e Aurora nem sabiam mais o que era isso.
Para não dizer que tudo era 100%, ultimamente a Sara estava experimentando vez ou outra, durante algumas frações de segundo, uma coisa um pouco estranha. Não era coisa que incomodasse, mas dava para se perceber que estava acontecendo. Era como se tudo parasse naquele lapso de tempo, como se a realidade inteira, tudo, se congelasse. Não doía, não incomodava, portanto tudo bem. Era como você estivesse assistindo a um filme e de repente houvesse uma pequena “pause”.
Se você considerar a gravidade do acidente pelo qual Sara havia passado, aquilo não era nada. Até seu cérebro foi parcialmente afetado. Levaram um tempo mais do que o normal para reconstituir tudo. Apesar de os acidentes serem raríssimos, as equipes médicas conservavam todas as técnicas e equipamentos como se fosse tudo uma rotina.
Na grande sala de “Controle de Atividades Virtuais”, Norton acabara de informar seu supervisor que estava havendo uma pequena falha, quase imperceptível, na programação da unidade VL1345. Havia um problema na sequência temporal, para ser mais preciso, uma “nanofalha”, quase imperceptível. O supervisor avisou para Norton que nenhuma falha era admissível. Todo o programa teria de ser refeito.
Sara era a unidade VL1345. E, de repente, sentiu um sono danado e ouviu uma espécie de “voz interior” dizendo para ela ir para casa descansar.
Na sala de controle, Norton reprogramou todas as atividades virtuais de Sara, dando ênfase para o fator do tempo. Checou o programa, agora estava perfeito. Só para se certificar, resolveu verificar a parte de hardware e também o “elemento biológico”. Entrou na sala própria, abriu o compartimento e lá estava o cérebro de Sara num cilindro de acrílico com todas as conexões necessárias. Norton pensou consigo mesmo, como aquela mulher havia conseguido destruir seu corpo inteiro daquele jeito? Quase perdeu o próprio cérebro. Sorte dela que eles conseguiram reconstituir o pouco de massa cinzenta que ela havia perdido. E mais sorte ainda era que o seguro dela era dos bons. Ligou o os sensores de teste para “elemento biológico” e segundos depois, pode notar que estava tudo em ordem, que o cérebro de Sara estava perfeito. Segundos depois reativou a vida virtual de Sara.
Sara acordou extremamente disposta e logo a seguir chamou sua amiga Aurora para dar uma volta. Assim que se encontraram na rua, Sara deu um beijo na face da amiga, suspirou, e disse com alegria:
-Aurora, como nossa vida é boa! Eu gosto de viver!
E as duas deram uma grande gargalhada de felicidade...