O professor de português Contaram essa história para mim, não sei se é verdade. Existem coisas que a gente nunca sabe, como o caso do céu e do inferno, podemos acreditar e ter fé, mas certeza matemática ninguém tem. Também que graça teria se a gente tivesse certeza, daí seria informação, não seria fé. Mas voltando à história. Era uma vez professor de português... Sempre houve tantos, até eu fui um certa vez, mas esse era diferente. Quando ainda era bem jovem, ele dava umas aulas de literatura brasileira para uma classe do colegial, que não se chama mais assim. Não importa, tudo muda. Ele adorava aquela turma, eles eram interessadíssimos. Faziam aquelas perguntas que o o obrigavam a pensar e se inspirar. Foi então que resolveu escrever um poema sobre o amor, que ousadia, com tanta gente importante no “mercado”, chegava a ser arrogância. Ainda bem que o Drummond, o Bandeira, a Cecília e todos aqueles “deuses” já estavam mortos, que Deus me perdoe, porque não queria nem pensar se eles soubessem o que ele, um mero “ensinador” estava tentando.
Depois de corrigir aquele montão de provas todos os dias e preparar as aulas, ele começava a escrever. Depois de algum tempo, lia em voz alta para ver como estava. Daí corrigia com muito mais fúria do que quando corrigia as provas de seus alunos. Era exigente consigo mesmo. Refazia aqui e ali, aumentava e diminuía, colocava um sinônimo. Pensava consigo mesmo que rima era uma coisa boa e bonita, fazia o poema ficar musical e gracioso. Por outro lado, às vezes distorcia o que queria dizer. Era uma luta cruel, mas ele continuava. Demorou anos e finalmente terminou a sua criação. Não ousou mostrar para ninguém. Resolveu ficar um bom tempo sem olhar para o poema, pois quando o fizesse novamente, faria a leitura com outros olhos e certamente encontraria algum defeito, algo que pudesse melhorar. E assim fez e, de fato, mudou um monte de coisas. Achou palavras melhores aqui e ali, refez versos, até que estava bom. Fez isso inúmeras vezes, cada vez melhorava mais. Sabe, a experiência da vida, as coisas que ouvia e via, tudo ajudava. Sem contar a sua linda esposa que sempre o inspirava. Entretanto, nem para ela ele queria mostrar a sua poesia. Quando resolvesse ler para alguém, imagina publicar nem passava pela cabeça, teria de ser pelo menos uma coisa extraordinária, porque perfeição não existe. Pois bem, ele foi ficando velhinho, se aposentou e tinha todo o tempo do mundo. Conseguiu ainda melhorar mais o seu escrito. Até que um dia resolveu parar. Tudo tem um limite e aquele era seu limite, nunca seria um poeta, poeta...Talvez um pequeno poeta, um poeta menor. A palavra “poetinha” chegou a passar pela sua cabeça mas daí se lembrou do Vinícius. Que arrogância, alguém poderia pensar que ele quisesse se comparar, que absurdo!
Nunca mais mexeu no poema. Um dia sentiu uma dor no peito e teve de ser internado. Mais uns dias e, pobre do professor, morreu sem ler para nuinguém a sua pequena obra. A sua vida acabou, o poema acabou e nunca ninguém viu, leu ou ouviu...
Ele, o professor, tinha alguns defeitos, não era um santo. Mas certamente não era mau, quem escreve poesia não pode ser um mau sujeito. O fato é que o Criador o chamou para o céu. Ficou um pouco surpreso, pois embora acreditasse em coisas espirituais, do céu ele não tinha muita certeza, não. Foi entrando e pensou em pedir licença, mas não pediu porque se lembrou do Manuel Bandeira, embora ele não fosse a Irene, essa ele já tinha aprendido. Por falar no Bandeira, lá estava ele, sentado numa poltrona celestial e, ao lado, nada mais, nada menos, do que o Drummond, a Cecília, o Mário, o Quintana e a Clarice. Havia muitos outros mas a emoção era tanta que ele nem conseguia reconhecer. Pensou que era a secção dos poetas e chegou a ficar emocionado de ir parar nessa repartição. Mas era mais do que isso. Estavam todos lá para ouvir a leitura do poema. Pelo menos, foi o que a Clarice falou para ele. Não podia acreditar. Meu Deus! Por falar nEle, quis perguntar mas nem precisou, o Quintana explicou que Ele estava ouvindo mas só iria falar com ele, o poeta professor, depois de ouvir a leitura. Imaginem, nem Ele, que sabe tudo, quis olhar o poema antes, sem a permissão do professor. Finalmente perdeu a vegonha e resolveu ler o poema. Ler? Quem precisava ler, ele havia repassado aqueles versos tantas vezes, tinha tudo na ponta da língua. Recitou com emoção, estava quase chorando. Ajudou na emoção o fato de que, além de estar ali, ele se lembrou da sua amada, que foi sempre sua inspiração. Quando terminou, todos bateram palmas, em pé. Ele era muito humilde e sabia que aquele poeminha não era nada. Com certeza eles aplaudiram porque, afinal, ele havia sido recomendado pelo próprio Criador que consegue ver beleza em tudo, pois foi ele mesmo que a criou.
O texto eu não conheço, ainda não fui para o paraíso. Se a história é verdade eu também não posso garantir. Como disse, ninguém pode. Eu só contei aqui porque acho que é uma história bonita e bem que podia ser verdade. Além disso, se bastante gente ler, ela acaba virando verdadeira. Acontece até com novelas de televisão...Ou você não acredita que tudo aquilo que você viu na novela realmente aconteceu? Que absurdo, claro que sim, é tudo verdade...
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Essa vida da gente
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Flávio Cruz
Enviado por Flávio Cruz em 15/10/2014
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