A hora e a vez do Ronald
Ronald estava irritadíssimo. Acabara de ouvir da companhia aérea que o voo 301 estava atrasado. Ao invés de sair às 6, sairia às 6:20. Problemas técnicos. Já era quase a hora do próximo, o 303. Era a terceira vez que isso estava acontecendo nos últimos dois meses. Lá no fundo, Ronald sabia que o que realmente o estava incomodando não era o atraso em si – afinal era pouco tempo – mas o fato de que era devido a “problemas técnicos”. No entanto, não admitiria isso para ninguém e nem para si mesmo. Tentou mudar a reserva para o 303, mas este estava lotadíssimo também. Paciência. Agora já estavam chamando para ocupar os assentos e lá se foi o Ronald, resignado.
Nova Iorque estava bonita naquela manhã e a aeronave levantou suave e após alguns minutos pairava majestosa na sua rota para o oeste. Ronald reviu alguns papeis em sua pasta e depois relaxou. Fechou os olhos, pensou no que ia fazer durante o dia e acabou adormecendo.
Não sei quanto tempo depois, Ronald acordou assustado. Ouvira um barulho de metal se rompendo. Pelo menos foi o que pensou. Olhou para os passageiros ao lado e notou que eles também estavam apavorados. Não teve tempo de comentar nada com ninguém, pois o avião começou a balançar desajeitadamente. Depois “caiu” durante um minuto, pelo menos, com bastante violência. Abriram-se vários compartimentos de bagagem e objetos caíram. As pessoas começaram a gritar. Desceram as máscaras de oxigênio. Daí, finalmente uma certa estabilidade. A seguir, a voz do comandante. Pedia calma, havia um “problema técnico”, que estava sendo solucionado, que todos ficassem sentados, etc. A conversa de sempre. Ronald estava em pânico. Não ouvia mais nada, não conseguia olhar nada. Ouviu, no entanto, um garoto falando para o pai que estava vendo fumaça sair da turbina. O pavor que se estampou em seu rosto era indescritível. Passou a respirar com dificuldade.
Alguns minutos se passaram e aparentemente o aparelho estava sob controle. Havia ruídos estranhos se você conseguisse prestar atenção. Não era o caso de Ronald. Ele estava branco, não ouvia nada. No entanto, conseguiu entender quando o comandante avisou que todos deveriam se preparar, pois iria tentar um pouso de emergência. A seguir, como se o destino estivesse esperando o aviso do piloto, o avião começou a trepidar de uma forma estrondosa. Parecia estar demontando. Foi demais para o nosso passageiro. Ele desmaiou. Talvez estivesse tendo um ataque cardíaco, não se sabe.
Quando Ronald acordou, estava assustadíssimo e pensou por uns instantes que talvez tivesse escapado com vida. Talvez tivesse sobrevivido. Arriscou abrir os olhos e, devagar, olhou para os lados.
O que viu, naquelas circunstâncias, parecia uma cena do paraíso. Passageiros felizes, conversando, com aquela energia e excitação de quando os aviões pousam. O 737 estava taxiando lentamente em direção a um dos terminais. Imediatamente percebeu que havia sido um pesadelo. E que pesadelo, nunca sentira algo tão real. Tanto assim que estava jurando para si mesmo que jamais pegaria novamente o fatídico 301. Iria mais tarde, sairia na noite anterior, faria qualquer coisa. Aquele pesadelo fora tão real, que só poderia ser um aviso.
Pegou o táxi para o hotel como se tivesse sido ressuscitado. Sentia a vida entrar em seu corpo quando respirava.
Fez o check in no hotel, subiu para seu quarto com a bagabem de mão, a única que trouxera. Sentou-se na poltrona e relaxou um pouco antes de tomar a sua ducha. Viu o controle da tevê na mesinha ao lado, pegou-o e ligou o aparelho. Um filme antigo num canal, um programa de auditório em outro e, finalmente, um programa de notícias. Uma repórter transmitia ao vivo uma tragédia que acabara de acontecer nos arredores de Chicago. Podia se ver um rolo de fumaça ao fundo, carros de bombeiros, polícia. Ronald demorou um pouco para entender o que ela estava falando. Por isso estava lendo as legendas na parte de baixo da tela. O voo 301, da American, tinha terminado de maneira trágica. Havia caído em chamas pouco antes de pousar no aeroporto local. Provavelmente não havia sobreviventes. Ronald teve um sobressalto. Não podia ser, estavam cometendo um engano ridículo. O voo 301 era o seu, ele estava ali, são e salvo. Olhou outros canais de notícias. Confirmado, era o voo 301. Havia inclusive alguns comentários de que ele saíra com atraso de vinte minutos de Nova Iorque, que tinha ficado retido por um falso alarme de problema técnico. O repórter informara que estavam tentando falar com um representante da companhia aérea para obter mais informações.
Ronald estava completamente atordoado, não conseguia entender. Daí, fez o óbvio, olhou a cópia de seu ticket e lá estava: ele havia voado no voo 303 que havia saído um pouco depois. Ronald tinnha certeza de que algo estava errado, Lembrava-se vividamente de ter tentado trocar a reserva e de que o avião – o voo 303- estava lotado. Não entendia, talvez estivesse ficando louco, talvez estivesse com amnésia, paranóia, alguma dessas doenças. Não tinha com quem falar e não adiantaria, iriam achar que ele “não batia bem” ou estava querendo obter atenção, aproveitando-se da tragédia. Além disso, sabia que não iria conseguir nenhuma explicação.
Conforme o tempo foi passando, Ronald, aos poucos, foi tentando se convencer de que afinal tinha conseguido fazer a mudança para o 303. Guardou o ticket, na esperanca de um dia olhar e ver que o voo era o 301. De qualquer jeito, com qualquer explicação, tudo era muito estranho. Por que sonhara então?
O tempo cura tudo, não cura? Para poder viver em paz, ele tinha de dizer para si mesmo que conseguira mudar sua reserva para o voo 303 e, coincidentemente, tivera um pesadelo, ou uma premonição, qualquer coisa assim. Bem lá no fundo, entretanto, ele sabia que embarcara no voo 301 e que, de alguma forma, o destino o havia arrancado de um avião para o outro. Vendo sob um outro ângulo, era reconfortante, sua hora ainda não havia chegado. Ainda não era a hora e a vez de Ronald Simpson.
Flávio Cruz
Enviado por Flávio Cruz em 16/03/2013
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