Perdoar é preciso
A dor era grande, quase insuportável. O arrependimento que o Almeida sentia pelo que tinha feito para a Lucinha era algo tão profundo, que não dava para medir em palavras ou em medidas humanas. Aquilo estava rasgando seu peito, dilacerando sua alma. Ele percebeu que só havia um jeito de mitigar seu sofrimento: ir até ela e pedir perdão. Isso também não era fácil. Tinha vergonha de se aproximar, tinha medo de que ela nem quisesse que ele chegasse perto.
Ela era uma pessoa doce, suave, entretanto estava terrivelmente machucada. Não olhava para os lados, não queria conversar com ninguém. Seu olhar ficava, a maior parte do tempo, perdido no vazio, como se não valesse mais a pena viver. Nem vou machucar vocês contando o que o Almeida fez, pois foi algo tão vil que nem é bom falar no assunto.
O Almeida precisava tentar. Não poderia ficar para todo o sempre com aquele nó por dentro. Tentou se aproximar da Lucinha. Foi difícil. Parecia que ela não o via. No começo, ficava à distância, depois foi ficando mais ousado, chegando cada vez mais perto. Ela devia estar mesmo transtornada, passada, sofrida. Parece que ela não enxergava coisa alguma. Às vezes colocava-se praticamente a sua frente e nada. Aparentemente não havia chance de perdão. Ela não conseguia sair do poço do próprio sofrimento, como esperar que ela fosse, além de tudo, se preocupar com o Almeida, com seu remorso?
Almeida não era de desistir, não podia desistir. Um bom tempo se passou, até que um dia a própria Lucinha entendeu que precisava perdoar. Ela pensou ter ouvido sussurros pedindo perdão. Por ela mesmo, para aliviar sua própria alma, precisava perdoar. Naquela manhã, um sábado, tomou uma decisão. Pegou o ônibus, viajou meia hora e desceu no ponto do cemitério. Era uma manhã bonita, de sol e de céu azul.
Entrou, passou pelo portão, virou à esquerda e na terceira fileira dobrou à direita. Andou mais um pouco e finalmente parou junto a um túmulo pequeno, sem flores, um tanto recente. Fez uma oração e no final falou em voz alta, como se estivesse tirando algo de dentro:
- Almeida, eu te perdoo do fundo do meu coração. Descansa em paz!
Colocou até uma pequena flor sobre a sepultura.
Era como se ela tivesse tirado uma montanha de cima dela. Sorriu aliviada, quase feliz, e voltou para casa.
O espírito do Almeida, que estivera aquele tempo todo tentando fazer a Lucinha entender o que ele queria, tentando se comunicar de lá do outro lado, finalmente pode descansar em paz...
Flávio Cruz
Enviado por Flávio Cruz em 02/03/2013
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