A sinceridade do Stuart Guzman, astronauta da Confederação das Américas, estava viajando há 13 anos, mas só agora chegara a sua vez de assumir o comando. Até então estava “dormindo” na secção 7 da nave espacial. Durante o último século, conforme as viagens espaciais foram se tornando muitas longas, adotou-se esse sistema de “sono profundo induzido”, que poderia ser mantido durante anos. Demorou um pouco até Guzman tomar contato com a realidade. Agora já estava bem, sabia em que parte do cosmos estava, a missão que estava realizando. A primeira pessoa de quem se lembrou foi Lucy, sua esposa. Ela estava com 120 anos quando saíra, portanto agora estaria com 133 anos. Isso não era nada no ano 2289, uma vez que a expectativa de vida era de quase duzentos anos. Seria como ela ter 40 anos no século 20. Apesar de praticamente não haver mais doenças, ironicamente uma delas havia começado a crescer nos últimos 20 anos. Não era bem uma enfermidade, era mais uma disfunção: a Síndrome de Hunt. O pesquisador Hunt descobriu por que algumas pessoas, perfeitamente saudáveis, de repente começavam a mostrar sintomas de diversas doenças ao mesmo tempo, até levá-las à morte. Num mundo quase perfeito, cientificamente falando, o nosso cérebro aparentemente tinha desenvolvido uma espécie de reação contra toda aquela manipulação genética que controlava a saúde humana. Era como um protesto da natureza contra o absoluto controle artificial do corpo. O mesmo Dr. Hunt havia declarado, uns dias antes do início da viagem de Guzman, que ele praticamente já havia conseguido uma maneira de controlar a síndrome. Isso era especialmente importante para o nosso astronauta, pois sua querida companheira, Lucy, havia mostrado sintomas evidentes da nova “doença”. Naquele primeiro dia “acordado”, Guzman mandou uma mensagem holográfica para sua querida mulher. O tempo para a mensagem ir até a Terra e uma resposta ser enviada de volta seria de cerca de 15 horas, tal era a distância em que estavam agora do nosso planeta. Isso sem contar o tempo que ela demoraria para responder. Já fazia 19 horas e a resposta ainda não havia chegado. Guzman então falou com Stuart – nome carinhoso para o computador comandante da missão – sobre a sua ansiedade. Stuart explicou a ele que entre eles e a Terra havia uma densa constelação, que certamente atrasaria o tempo de “entrega” da mensagem. Isso consolou Guzman um pouco. Passaram-se cerca de 70 minutos e o Stuart alertou Guzman para uma mensagem que havia acabado de chegar. Ele sentou-se numa confortável poltrona na sala de projeções holográficas e tocou de leve o controle para iniciar a mensagem. E lá estava a Lucy, linda como sempre. Não parecia estar abatida ou doente.Na continuação ficou sabendo que o Dr. Hunt cuidara do caso dela pessoalmente e que tudo tinha dado certo. Contou uma série de outras coisas, riu, mandou beijos. Normalmente Guzman deveria estar cheio de felicidade. Entretanto, algo na transmissão o incomodava. Lucy não parecia a mesma, embora estivesse exuberante. Havia coisas, brincadeiras, palavras, que certamente ela teria usado na conversa, que não estavam lá. Guzman estava cismado, ficou pensativo. Depois de algum tempo, resolveu falar com o Stuart. Ponderou com ele que sabia que ele havia sido programado com forte dose de “sentimentalidade e sensibilidade humanas”. Abriu-se dizendo que estava desconfiado que algo não estava bem. Stuart retrucou que ele mesmo havia visto a mensagem e a própria Lucy confirmara estar bem. Mais 30 horas se passaram mas a cisma de Guzman não foi embora. Conversou novamente com seu amigo computador Stuart. Abriu seu coração. Sabia que ele tinha obrigações com a missão, tal como manter a tripulação feliz, equilibrada emocionalmente, etc...Disse que com ele não iria funcionar, estava desconfiado, a melhor coisa era falar a verdade. Ele conseguiria superar, sobreviver, mas precisava da verdade. Stuart demorou um pouco para responder. Aparentemente estava processando as emoções do Guzman. Depois confessou. Lucy havia morrido há sete anos atrás, enquanto ele estava em sono profundo. O computador da Terra, encarregado da missão, juntou todos os dados que tinha e “falsificou” a mensagem holográfica de resposta. Aparentemente ele não tinha todos os detalhes para fazer uma mensagem perfeita. No final, Stuart disse que sentia muito. Guzman agradeceu a sinceridade do Stuart e recolheu-se por algumas horas. Mais tarde, um pouco mais tranquilo, Guzman falou em volz alta para Stuart: -Stuart, você sabe como foi importante sua honestidade comigo? Isto muda completamente a maneira como vou me sentir daqui para a frente em relação à missão, em relação a você... -Eu sei, eu sei... Guzman já havia também participado de missões espaciais em naves da União Europeia, da Confederação Asiática e da Liga Independente. Nenhuma delas tinha inteligência artificial tão sintonizada com a personalidade como o Stuart da Confederação das Américas. Isso era bom... Stuart interrompeu seus pensamentos: -Guzman, por falar em sentimentos, acho que você deveria dar uma olhada na grande escotilha do nosso lado direito. Há cinco estrelas super-gigantes, com luz e cores de arrepiar... Guzman sabia que Stuart estava tentando alegrá-lo mas foi assim mesmo. De qualquer forma ele gostava mesmo dessas paisagens cósmicas. Esse Stuart era mesmo uma coisa... Na vastidão do espaço, a nave especial SS6574, ou a “Splendid”, indiferente a sentimentos humanos ou de máquinas, continuava sua longa jornada em direção ao planeta Stallion. Suave, brilhante, esplêndida... Blogs do autor: Flávio Cruz
Enviado por Flávio Cruz em 28/02/2013
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