O desejo do Rogério
Naquela manhã o Rogério foi um pouco mais tarde para o trabalho. Tinha ficado acordado até tarde na noite passada, preparando uma apresentação que tinha de fazer no curso noturno que estava fazendo. Depois de um dia inteiro de trabalho, não ia ser fácil. Não sei quem inventou essas história de trabalhar e estudar ao mesmo tempo. Deve ser coisa e brasileiro, de “dar um jeitinho”. Não dá. O outro problema que ele tinha era explicar para o chefe por que estava chegando atrasado. Bem no dia de fazer a folha de pagamento, o que era sua responsabilidade. Era evidente que iam falar que foi de propósito. Eles nunca acreditam nas desculpas. Nem nas esfarrapadas nem nas bem arrumadas.Nunca. Além disso, que trabalho chato, o que fazia. Monótono, repetitivo, que não levava a nada. Sem perspectiva.
Definitivamente precisava mudar alguma coisa na vida. Daquele jeito não dava, iria acabar louco. Pelo menos naquele dia o metrô não estava cheio. Pelo contrário, havia muitos lugares vazios, nada daquela multidão louca de todos os dias. Outra vantagem de não ir tão cedo para o emprego. E ainda mais: naquele vagão, pelo menos, só gente bonita, bem vestida. Pessoas conversando, rindo.
Tinha reparado na loirinha que estava sentada alguns metros a frente. Estava lendo um livro, de vez em quando levantava a cabeça e...Não tinha certeza, mas aparentemente dava um sorrisinho tímido na sua direção. Que manhã diferente. Que contraste entre o dia sem vergonha que ia enfrentar e aquele momento delicioso que estava tendo ali. Contou na cabeça quantas estações ainda tinha antes de descer. Sete. Essa era a cota de felicidade do dia. Passar pelas sete estações, sentado, calmo, olhando para aquela garota. Depois, o inferno.
Fechou os olhos por um instante. Não mais do que o suficiente para arriscar perder o próximo sorriso da loirinha. Pensou como seria bom se aquele momento fosse eterno. Chegaria na sétima estação e, ao invés de descer, começaria de novo, da primeira, curtindo cada segundo. O momento seria o mesmo, não evoluiria. Não sentiria fome, cansaço ou aborrecimento. Ficaria infinitamente ali, indefinidamente curtindo a paz, o olhar da garota, o passar das estações, depois começando tudo de novo. Nunca chegaria ao trabalho, nunca chegaria à escola. É bom sonhar. Na verdade, Rogério estava mais do que sonhando. Estava desejando que aquilo acontecesse, estava pedindo para que acontecesse.
Ninguém sabe ao certo como funcionam as leis da vida, as leis do destino, mas não é que o desejo de Rogério foi atendido? Chegou a sétima estação, ele não precisou descer, começou tudo de novo. Paz, tranquilidade e os sorrisos da garota. Isso já faz muito,muito tempo. Ele continua repetindo a deliciosa viagem através dos dias, dos meses, dos anos.... E as pessoas que estão hoje no vagão, não o vêem, não sabem, mas ele está lá, a loirinha também. O sonho se realizou. Ele vai ficar para sempre viajando naquele vagão.
Quem disse que os sonhos não se realizam? Claro que sim...
Flávio Cruz
Enviado por Flávio Cruz em 24/02/2013
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