O Trem da morte
Estava olhando e não acreditava. Estava paralisado de terror. Havia corpos no meio dos trilhos, de um e de outro lado da estrada-de-ferro também. Um corpo sem vida eu já vira antes, embora a gente nunca se acostume com isso. Mas ali...Havia membros decepados, rostos desfigurados, havia partes humanas por todos os lados. No meio do arbustos, por entre as pedras que sustentam os trilhos. No entanto o que machucou mesmo o coração foi quando eu vi, no meio da carnificina, livros e cardernos dilacerados, marmitas, bolsas, objetos pessoais. Não eram as coisas em si, era o fato de elas estarem ali, junto com a morte, espalhadas pelo chão. Era a prova de que a vida havia sido cortada, exterminada. À noite, no curso noturno, aquela garota não abriu o livro. O trabalhador também não abriu a marmita na hora dpo almoço.
De repente, para acabar de destruir meu coração, vejo numa mão separada do corpo, uma aliança. Daquelas grossas, que se usavam antigamente. Um casamento que não ia mais acontecer, um filho que não ia mais nascer, um amor que não mais ia se realizar.
Uma hora antes, a composição de passageiros que estava quebrada em Caieiras, acabou sendo consertada por um mecânico da estrada de ferro que estava passando na outra linha. Antes, porém, havia sido pedido socorro para Perus, que mandou uma locomotiva diesel com pessoal para consertar a composição na mesma linha. Já consertada, ela partiu, sem saber, de encontro à locomotiva. Essa destruiu os primeiros vagões, causando várias mortes e inúmeros feridos.
Era a manhã do dia 21 de março de 1969. Havia acordado com um burburinho vindo da rua. Fui ver, falaram do acidente. Corri para lá para ver o que não queria ver, o que não era para ser visto. Nesse dia era melhor ter ficado dormindo, sem saber de nada...
Flávio Cruz
Enviado por Flávio Cruz em 07/02/2013
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