A Gramática do Amor
Faz muito tempo, essas coisas não acontecem mais. Pelo menos não do jeito que aconteceram aqui. O Dida era um bom menino e acabara de fazer dezesseis anos. Época de amar, época de buscar, época de descobrir. Foi aí que ele descobriu que estava apaixonado pela Isabel. Só pensava nela, uma paixão real. Ele não era um galã, mas segundo as meninas, não era de se jogar fora. A menina de vez em quando olhava para ele, mas não dava para dizer se era correspondido ou não. Nessas coisas as meninas eram mais espertas, diziam as coisas sem dizer, e diziam coisas que não significavam o que queriam dizer. Qualquer coisa assim. Acho que elas não mudaram. O fato é que o amor do Dida foi aumentando, não aguentava mais aquele calor no peito, o coração saltando, dando pinote, um desespero.
Naquele começo de noite finalmente ia ter uma chance. Um bailinho da turma da escola ia acontecer na casa do Eduardo e, garantido, ela ia lá. De manhã, as aulas foram normais, exceto pela aula de português. A professora estava explicando a tal de história de uso correto de pronomes, o problema de manter a coerência, qualquer coisa assim. Por que você fala “Eu te amo”, se você estava tratando a pessoa por você até agora? Se você falar “Eu te amo”, é porque você está tratando a pessoa de “tu”, certo? Certo e errado, hoje em dia alguém falaria para ela, porque a linguagem coloquial, etc.,...mas quem quer ouvir essa conversa? Estamos falando do amor do Dida, não de gramática. Mas não é que o pobre rapaz ficou atrapalhado com aquilo? O problema é que a professora arrematou o assunto dizendo que se você trata a pessoa por você, o correto seria dizer “Eu a amo”.
O assunto não era tão importante assim, mas o Dida ficou com aquele negócio na cabeça. Essa noite era a noite, ele ia se declarar e daí veio a dúvida besta: falo “eu te amo” ou falo “eu a amo”? Que besteira, não? Pois não é que ele estava já no baile, ela já tinha até dado uma olhada para ele, e ela estava o máximo, e aquele negócio não saía da cabeça? Quase perguntou para o Juca o que ele achava, mas tinha certeza de que ele ia dar uma gargalhada. Ficou repetindo a frase dos dois jeitos para ver o que ficava melhor. Se falasse “te amo” era mais bonito mas estaria errado. Se falasse certo, “a amo”, ia ficar esquisito, que droga! Começou a ficar com raiva da Júlia, a professora, que chata!
Finalmente se decidiu. Ia falar “eu te amo” e depois faria um comentário qualquer durante a conversa, “eu sei que é errado, mas falar ‘eu a amo’ é esquisito, você não acha?” Falaria do jeito mais bonito, mas mostraria que era bom de gramática. Poderia ser até uma forma de quebrar o gelo, já que ela era uma menina inteligente e aplicada, ele sabia.Você e tu, quem liga para isso, não é mesmo? Decidido. Levantou a cabeça, procurou a Isabel pela sala e...nada. Foi para a varanda e imediatamente viu que ela estava lá, com seus cabelinhos lindos, soltos sobre o vestido azul.O problema é que ela estava conversando com o Eduardo, o dono da festa. Depois olhou melhor e quase teve um choque. Estava de mãos dadas. Foi para a casa, desiludido. Nunca mais tentou falar com a Isabel.
Cresceu, encontrou a Alícia, casou e teve filhos. Nunca mais teve coragem de falar “eu te amo” ou “eu a amo” para mulher nenhuma. Fala “estou apaixonado”, “sinto amor por você”, qualquer coisa assim. “Está vendo como são as coisas”, comentou um dia o Juca, que sempre continuou seu amigo e acabou virando professor de português. Ponderou que o Caetano, o Chico e o Vinícius escreveram tantas coisas bonitas sobre o amor e nunca deram a mínima para essas regrinhas. “Eles gostam da língua portuguesa, brincam com ela, fazem o que querem com as palavras e...tenho certeza de que nunca tiveram falta de mulheres...” Mas o Dida não gosta de falar desse assunto, são coisas do passado...
Flávio Cruz
Enviado por Flávio Cruz em 27/01/2013
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