A Manuela desapareceu
Não sei se você conhece alguma Manuela. Bom, espero que as Manuelas não se ofendam mas eu tinha uma máquina de escrever que se chamava Manuela. Faz muito tempo e ela já morreu. Talvez por causa das lembranças que ela me traz foi que eu fiquei emocionado quando conheci mais uma Manuela. E por essa eu não esperava. Estava lendo umas notícias quando ela apareceu. Ela é do Rio e ficou desaparecida por 30 anos. Entretanto ela estava ali, ao lado da família, e ninguém percebeu. Crueldade. Nem sequer puseram uma nota de “desaparecida” no jornal. Pior que isso, quase ela foi para o lixo. A família estava arrumando a casa, colocando tudo em sacos plásticos. Se o vizinho não visse, ela teria ido embora no caminhão.
A essa altura, mesmo que você não tenha visto ou ouvido a notícia, já deve estar desconfiado que a Manuela não é uma pessoa. Verdade, mas é quase. É um jabuti. A coitadinha ficou lá perdida num monte de coisas velhas por 30 anos, num quarto. Pode?
Isso dá o que pensar. Que resistência, que paciência. Escutando a vida lá fora sem poder sair. Enchendo-se de esperança todos os dias, achando que talvez a pudessem descobrir e, então, como num milagre, transformar-se no mascote da casa, com “status”, quem sabe, até de um cachorro. Deve ter ouvido brigas, pequenas e grandes, através desses anos e através das paredes. Deve ter ouvido desabafos, reclamações e até choro. Talvez gritinhos de alegria, lamentações e, por que não, suspiros de amor? E ela lá, sem ninguém saber de sua existência. Que dureza!
E nós, humanos, precisamos aprender pelo menos algumas coisas com ela. Paciência, é claro. Persistência, também. Perseverança. Disciplina. Nossa, quanta coisa ela pode nos ensinar. Mas a coisa mais importante foi a fé. Eu tenho certeza de que a coitadinha teve muita fé. Até na hora em que estava a alguns minutos de ser lançada, descuidadamente, brutalmente, no caminhão. Salva no último momento. É muita fé, meus irmãos, mais do que qualquer um de nós. Ela nunca desistiu. Existe gente falando que a notícia é falsa, porque ninguém explica o que ela comeu nesses anos todos...Não estou falando que essa gente não tem fé?
Por outro lado, fico pensando...Será que ela não está pensando agora...Que azar, estava tão bem lá, sozinha, sem perturbação. Uma paz! Agora esse povo todo em volta de mim, falando, comendo, gritando, brigando, assistindo tevê. Povo agitado, meu Deus! Que saudades do meu cantinho, da minha paz.
Nunca se sabe...
Flávio Cruz
Enviado por Flávio Cruz em 25/01/2013
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