Universos Paralelos
Carlos Figueiredo era um excelente vendedor. Andava viajando de lá para cá para promover os produtos de sua companhia. E como fazia isso bem: era um dom que ele tinha. Como sempre estava em hotéis e tinha bastante tempo livre, principalmente à noite, estava sempre lendo. Ultimamente tinha adquirido esse interesse por essa história de física quântica. Lia de tudo: viagem no tempo, relatividade, subpartículas, universos paralelos. Ele adorava. Tanto fazia se eram textos didáticos ou se era só ficção. Era como se fosse um hobby. Aquele dia seu vôo tinha se atrasado e ele estava chegando tarde no hotel. Fez o registro, falou boa noite para o rapaz da recepção e foi se deitar. Lás estava ele mais uma vez no Obeid Plaza Hotel em Bauru. Estava fazendo as contas, era a décima-primeira vez que ficava no mesmo hotel. Tomou um banho rápido, foi para a cama. Tinha uma agenda agitada no dia seguinte. Mesmo assim, antes de dormir repassou, como sempre fazia, o que teria de fazer. Antes de fazer as visitas comerciais iria passar no “Bambinos Lanches”, não muito longe do hotel, depois no Bradesco para resolver um problema. Faria três visitas comerciais e daí, antes de continuar, iria passar no “Made in Brasil” e comer um belo churrasco, bem que ele merecia. Daí faria mais duas visitas de negócios à tarde. Afinal de contas não era um dia tão agitado assim, como pensara. Daí ele pegou no sono. Acordou com a claridade que vinha da janela. Havia se esquecido de escurecer o quarto e, aparentemente, havia também se esquecido de botar o celular para despertá-lo. Ficou imóvel na cama até criar coragem para pular da cama. Queria acabar de acordar. Finalmente abriu os olhos e sentou-se.. Imediatamente notou que havia algo de estranho. A janela era muito maior. Ele conhecia bem aquele hotel. Não era só isso. A porta do banheiro deveria ser do outro lado da cama. Os móveis eram diferentes, os lustres também. O piso, a colcha,tudo...Daí olhou para o bloco de notas sobre a mesinha ao lado da cama. Pegou-o nas mãos e dizia “Hotel Imperial” em letras azuis embaixo de um logotipo que parecia um brasão. Carlos praticamente entrou em estado de choque. Estava tendo algum problema na cabeça, talvez algum problema na memória. Ainda assim, vestiu-se rapidamente, pegou o elevador e foi até o saguão. A visão deixou-o mais transtornado ainda. Não conhecia ninguém, tudo era diferente, certamente estava em outro hotel. O problema que ele conhecia bem a cidade e não se lembrava de nenhum Hotel Imperial. Teria sido sequestrado e abandonado em outro hotel? Não fazia sentido, nada fazia sentido. Saiu sem falar com ninguém, tentando achar seu carro no estacionamento. Ele desconfiava que ele não estaria lá. Ele estava certo. Conferiu se a carteira estava no bolso e chamou um táxi. Entrou e pediu para ir até o “Bambino Lanches”. O motorista disse que não conhecia o lugar. Na verdade nunca ouvira falar. Carlos disse para ir em frente que ele mostraria o lugar. Aconteceu mais uma vez o que ele suspeitava: o lugar não existia. No local, nada mais, nada menos que um MacDonalds. Olhou ao longo da avenida e tudo era diferente. Pediu para o táxi voltar e intituivamente tirou sua carteira do bolso. Havia muito mais dinheiro do tinha deixado. Aliás era outra carteira e o dinheiro era um pouco diferente também. Resolveu olhar seu documento de identidade. Estremeceu quando viu seu nome: Carlos Antunes. Um turbilhão de coisas veio a sua mente, todas absurdas. Conspiração, drogas, simples loucura? Respirou fundo, uma, duas, mais vezes. Tentou se acalmar. Lembrou-se então de algo que logo descartou por ser a mais absurda de todas as suas suspeitas: universos paralelos. Ao chegar de volta ao hotel, lembrou-se de ligar para sua firma. Pegou seu celular e viu que era outro, com outra memória, com outros contatos. Digitou os números e recebeu a mensagem de que o número não existia. Subiu até seu quarto e remexeu nas “suas coisas” que não eram mais suas coisas. Roupas que não conhecia, objetos que não conhecia. Notou então que havia uma pasta com alguns papeis dentro. Tinham o logotipo de uma empresa que jamais vira antes. Em um dos documentos a sua assinatura, como Carlos Antunes. Chegou a pensar que estava sonhando. Viu então no canto da mala uma cartela de comprimidos. Eram para dor de cabeça. Carlos engoliu quatro e desceu novamente. Sentou-se no sofá, colocou a cabeça entre as mãos e ficou falando baixo para si mesmo: “Eu enlouqueci, eu enlouqueci, eu enloqueci...” Carlos perdeu a noção do tempo. Saiu um pouco, andou ao redor do hotel, voltou, recostou-se novamente no sofá. Finalmente resolveu ir novamente para o quarto. Estava bastante zonzo. Viu os comprimidos novamente e não teve dúvidas: tomou-os todos de uma só vez com a ajuda de um copo d’água. Deitou-se e dormiu profundamente. De manhã, Carlos acordou como Roberto Figueiredo e estava em sua casa num bairro elegante de Bauru. Não se lembrava de nada. Ele era quem ele era. Um empresário, com uma vida boa, esposa e uma filha. Estava relaxado e feliz. A esposa, a Graça, disse que estava contente por ele ter ficado em casa naquela manhã com a família. Se você olhasse o Roberto Figueiredo, você iria notar que seu rosto e seu corpo eram exatamente iguais ao de Carlos Antunes e Carlos Figueiredo. Você juraria que eles eram a mesma pessoa. Mas se você contasse esta história para o senhor Roberto Figueiredo, ele iria achar que você é um “doido varrido”... Flávio Cruz
Enviado por Flávio Cruz em 20/11/2012
Alterado em 22/11/2012 |