Eu existo, logo penso
Existem coisas loucas neste mundo e com certeza não são poucas não. O que acontecia com o Juvenal, no entanto, superava as expectativas. Ele era normal em quase tudo. Quase. A única coisa anormal com ele era que ele tinha uma amiga especial, a Júlia. Qaundo eu falo “especial”, é melhor você acreditar, porque ela era especial mesmo. Não que ela voasse ou falasse dez línguas, ou ainda que conseguisse prever o futuro. Nada disso, o que ela tinha de especial era que ela não existia. Isso mesmo. Uma amiga imaginária. Se Juvenal fosse uma criança, a gente poderia deixar tudo como está, deixar “passar a fase” e tudo bem. Juvenal, porém, tinha 32 anos. Pobre do Juvenal, não estou vendo o lado dele. E quando falo “não vejo”, eu falo nos dois sentidos: Não vejo a amiga “mesmo”, e não vejo o seu ponto de vista. A gente sabe que ele está sendo sincero, que ele está dizendo a verdade. Pelo menos, ele está dizendo a verdade dele. Se você ouve quando ele fala sobre a Júlia, eu garanto, você sente vontade de acreditar. Quando então ele fala com ela, parece ainda mais verdadeiro. O problema é que a gente não ouve a resposta dela, e, obviamente também não a vê. Parece uma coisa simples mas não é, é uma coisa dura. O Juvenal é meu amigo, e quando falo que não vejo a sua amiga, ele fica aborrecido. Eu expliquei para ele. Eu não vejo a Júlia, mas isso não quer dizer que ela não exista. Numa dessas dezes em que estávamos conversando, ele retrucou, perguntando:
Você não a vê, tudo bem, mas você acredita que ela exista? Não estou perguntando se você acredita se eu vejo, estou perguntando se você acredita nela, mesmo sem vê-la?
Pensei por alguns segundos em como responder. Foi fatal. Ele imediatamente`percebeu que eu hesitei, que eu não acreditava. As coisas foram piorando porque cada vez mais o Juvenal falava da Júlia e agora seus pais estavam ficando preocupados. Insistiram com o Juvenal e ele concordou em fazer uns exames na cabeça. Tudo normal, absolutamente normal, um cérebro saudável. Os pais arrumaram então uma psiquiatra para ele. A Dra. Strain – estranho nome, eu sei – marcou a primeira entrevista. Fez mais duas. Depois disso chamou os pais, que, aflitos, esperavam que houvesse cura para o Juvenal:
-Tenho boas notícias.
Os rostos dos pais se iluminaram.
-Juvenal não está doente. A Júlia realmente existe, é real. E tem mais, eu também consigo vê-la.
Primeiro eles pensaram que fosse uma piada. Mas não. A psiquiatra começou a descrever a Júlia da mesma forma que Juvenal fazia. Cambaleando, saíram do consultório sem se despedir e foram para casa. Foram consolados por amigos e parentes íntimos. Todo mundo sabe que psiquiatra não “bate bem” , comentou o vizinho do pai de Juvenal. Outro perguntou se ela teve coragem de cobrar a consulta.
Alguns dias se passaram e Juvenal continuou indo até o consultório da Dra. Strain. Interpelado pelos pais, que categoricamente afirmaram que não pagariam consultas para aquela doida, Juvenal explicou que seu tratamento havia terminado e que ele estava indo lá por causa da Júlia. Diante do olhar de interrogação do casal, ele explicou que os pais de Júlia também estavam com problemas. Eles achavam que, ele, Juvenal, não existia e que ela estava imaginando coisas. O pai e a mãe de Júlia receberam a mesma explicação: de que o Juvenal existia e que, ela, a psiquiatra podia ver os dois. Os pais de Júlia ficaram tão indignados quanto os pais dele, Juvenal. Agora, a Dra. Strain estava fazendo reuniões diárias com os dois para explicar a eles como lidar com a situação, como tolerar pais e amigos que não entendiam como duas pessoas possam se ver sem que os outros as vejam.
Parece que funcionou. Júlia continua vendo Juvenal e vice-versa. Do lado de Júlia, os pais fingem que não sabem de nada e do lado do Juvenal, a mesma coisa. Tudo seria maravilhoso se o problema não tivesse passado para mim. Isso mesmo. De qualquer jeito estou numa situação péssima. Agora eu é que estou em dúvida. A Júlia realmente existe? E o Juvenal? Para ser franco, muitas vezes eu me pergunto, se eu mesmo existo. Eu sei que já falaram que “eu penso, logo existo”. Mas e a Júlia será que ela pensa, será que ela existe? Seria muito mais fácil se considerássemos o Juvenal louco e pronto, mas ele é meu amigo e não quero isso para ele. Fico pensando em consultar algum psiquiatra, mas dizem que eles são todos os loucos. Além disso, eles podem mandar me internar. Talvez eu pudesse falar com a própria Dra Strain. Pelo menos ela conhece os antecedentes e obviamente vai saber lidar com o assunto. Não, não posso ir falar com a Dra. Strain. Você já pensou se eu chego lá, sento-me na frente dela e ela fala que não pode me ajudar. Isso mesmo. Eu pergunto por quê, e ela me responde:
-Sinto muito, meu amigo, não posso ajudá-lo. Não posso ajudá-lo por um motivo muito simples. Você não existe...
Já pensou?