A Lenda do Povo Feliz
Era um povo bonito, alegre, sempre a cantar. Não era só o cantar, era também o dançar, o gingar, parecia uma alegria sem par. Era sol, era chuva e nada e nem ninguém conseguia estragar a felicidade daquela gente. Às vezes vinha tempestade, outras vezes até inundação, mas nem isso tirava o brilho bonito das faces. Havia um porém: algumas pessoas espertas estavam roubando das pessoas que não eram tão espertas. Aconteceu então uma coisa horrível. Um pessoal, que estava quieto, só olhando, quis consertar tudo. Consertaram e desconsertaram. Para consertar, machucaram quem não era para se machucar e isso foi seu desconsertar. Mas o povo era bom e esqueceu-se de de tudo, quase tudo. Lembraram-se apenas de algumas coisas boas que eles fizeram e ficaram só com elas na cabeça. Eu já disse, é um povo bom, que só tem coisas boas na cabeça. Daí vieram os que resolveram consertar o que havia sido desconsertado. E o povo se alegrou e se regogizou. Agora até podiam escolher a quem deviam obedecer. Novos tempos, novos ares, novos sonhos. E as pessoas que quase haviam parado de sorrir, novamente se alegraram. E foi um sorriso gostoso, alegre, que só aquele povo sabe dar. Daí, não sei como foi, não sei o que aconteceu. Os que vieram para consertar, depois de consertar, começaram a estragar tudo de novo. O coitado do povo, sofrido, ainda assim continuou a sorrir, a dançar, a pular. Para alguns não tinha jeito, não. Um sofrimento danado, amargura, fome, desilusão. Ainda assim, os danadinhos, de vez em quando, no intervalo da dor, cantavam um pouquinho, davam um pequeno sorriso que é para não esquecer o que é felicidade. Outros nunca pararam de sorrir, povo danado de alegre que era esse. O estrago foi ficando pior, mas eles, os que mandavam, mandaram dizer que estava tudo bem, que tudo estava melhorando. Esse povo que acreditava em tudo, nisso acreditou também. Não dizem que a profissão do povo é a esperança? Foi assim que todos, animados, esperaram tudo melhorar. Viveram para ver o futuro chegar. Viram o que era para ser visto. Que tudo estava melhor. Afinal de contas, não é essa terra, uma terra bonita? As praias são tão belas que não há nada igual. O clima, meu Deus, não poderia ser melhor. Que paisagem! Palmeiras, flores, frutos tropicais. Ah, e como esse povo sabe cantar! Dançam de um jeito que ninguém sabe dançar. Ah, o sorriso, podem apostar: não há gente no mundo que saiba sequer imitar. Que ironia! Tanta alegria, tanto sorriso, tanta arte, almas tão boas, bom-humor sem fim... E alguns poucos a explorar a grande maioria. Será que não há ninguém bom para governar?
O meu amigo, Nino Belvicino, metido a filósofo e outras coisas mais, me explicou. É uma questão de equilíbrio cósmico. Existem terras onde há governos excelentes, mas o povo não sabe sorrir e dança mal. Há outras com governos muito bons mas daí vêm o terremoto e o furacão. Daí, mesmo sabendo, o povo não consegue cantar. Há casos ainda piores: o governo é ruim e, em cima disso, há tempestades e vulcões, além do povo não saber cantar. Há lugares onde as pessoas até conseguem sorrir um pouco e o governo é bom. Mas a alegria não vem de dentro e além disso, quando sorriem, não se pode ver por causa do tempo ruim. Ninguém tem tudo, não dá. Por isso que digo que esse povo aqui da nossa história, tivesse quem soubesse governar, meu Deus, estaria no paraíso...Daí, a gente teria que controlar as fronteiras com esse mundão todo querendo vir para cá. Não se pode querer tudo. Claro, um governo pelo menos um pouquinho melhor não seria pedir muito. Vamos esperar, quem sabe...Por enquanto, povo querido, continue a cantar, a sorrir e a bailar...porque não se sabe ainda o que vai te sobrar!
Flávio Cruz
Enviado por Flávio Cruz em 11/10/2012
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