Indo para o Norte
Logo de manhã Arnold percebeu que era um dia diferente. Havia barulho lá fora, alguns gritos, ruídos estranhos. Não poderia ser nada grave pois não ouvia sirenes, nem tiros ou qualquer coisa alarmante. Ao longe parecia haver vozes vindo de megafones. Arnold estava incomodado com o movimento. Ligou a tevê e viu que não havia energia elétrica. Abriu a porta da frente e aí ficou assustado. Havia pessoas correndo, algumas puxando crianças pelas mãos, umas indo para uma direção, outras para outro lado. Andou um pouco pela calçada e tocou no ombro de alguém:
-O que está acontecendo?
-Você não sabe? Sabotaram todos os computadores. Nada está funcionando. Todos os sistemas estão falhando, não se pode comprar, as lojas estão fechando, não se pode por gasolina, está uma confusão danada!
-Tá bom, é grave, mas por que este desespero?
-O exército...
O estranho ameaçou sair mas Arnold segurou-o pelo braço.
-O que tem o exército?
- Eles estão anunciando. Eles estão falando...Ei, eu preciso ir. Você não ouviu? Estão mandando evacuar. Ir para o Norte. Alguém também tomou conta da usina nuclear, podem detonar tudo a qualquer momento. Quanto mais longe melhor...O exército cercou tudo.
O rapaz, então, virou-se e saiu andando muito depressa, quase correndo. Arnold, que acordara com muitos planos, tinha um dia cheio, percebeu que aquele não seria um como os outros. É verdade que ele era meio apavorado, mas a s situação ali, se fosse tudo verdade, era realmente de se apavorar. Tentou ligar para sua esposa que estava viajando mas logo notou que o celular não funcionava. Ir para o Norte? Se tinha de ir para o Norte, ele ia...Entrou em casa, pegou uma maleta, pôs algumas roupas, outras coisas para passar um dia fora, documentos e a chave do carro. Fechou tudo, desligou a chave geral para o caso de a energia voltar e deu partida. Mal chegou até a esquina e já percebeu que as coisas estavam piores do que pensava. A confusão era enorme, o trânsito era um tumulto. Ficou cerca de meia hora tentando pegar ruas secundárias, escapar da multidão. Estava óbvio, não iria muito longe daquele jeito. Além disso, podia notar que muita gente já desistira dos veículos e os abandonavam em qualque lugar, inclusive no meio da rua. Arrumou um lugar e estacionou. Havia pavor no rosto das pessoas. Ficou ainda mais assustado quando percebeu os primeiros saques. Pessoas saíam das lojas carregando o que precisavam. Definitivamente o caos estava instalado. Procurou andar por ruas secundárias e dirigiu-se para uma das pontes que cruzavam o Rio das Pedras que, na verdade, era uma saída para a região Noroeste. Certamente todo mundo estava indo para o Norte conforme o exército ordenara. Era a mesma coisa e encontraria menos movimento. Arnold começou a ficar cansado logo depois dos três primeiros quilômetros. Estava completamente fora de forma. Fazia tempo que não dava uma caminhada. Agora estava na estrada. Havia pequenos grupos e havia outros que caminhavam sozinhos. Carros abandonados ao longo da pista, outros no meio, algumas pessoas sentadas no acostamento para um descanso...tudo aquilo formava uma cena apocalíptica. Arnold pensou como não se tem controle da vida. Um dia antes tudo estava bem, ele estava cheio de ideias, de planos. Quase sentiu culpa pela situação. Ele tinha essa mania. Toda a sua vida, quando as coisas estavam bem e algo ruim acontecia, achava que, de alguma forma, ele tinha feito algo de errado. Por algum tempo, estava tão absorto em seus pensamentos que se esqueceu da fatiga. Estava pensando se aquilo tudo era só ali, ou era algo que estava acontecendo na região inteira. Ou talvez em todo país. Um grande ataque cibernético? Terrorismo? Parecia um filme. Aqueles filmes de calamidades. Bem que poderia ser apenas um pesadelo. Não, não era...Se fosse, já teria acordado. Quase ninguém falava, o desânimo e o desespero eram óbvios no rosto das pessoas. Arnold pensou em ficar junto com um grupo. Depois decidiu ficar perto mas não se juntar. Percebeu que cada vez mais havia pessoas parando, desistindo. Velhos, crianças...Pais carregando os filhos nos ombros. Agora suas pernas doíam muito e respirava com dificuldade. Precisava parar. Parou junto a um arbusto e sentou-se. Não havia sol, era um dia nublado. A não ser pelas pessoas na estrada, pelos carros abandonados, não se podia dizer que estava ocorrendo uma tragédia.
Após algum tempo, resolveu juntar forças e recomeçar. Se ficasse mais um tempo ali, possivelmente não teria como se recuperar. Agora estava um pouco mais descansado mas seu corpo doía ainda mais. Seu sangue havia esfriado, dava para sentir muito mais as dores.
Não sei quanto tempo Arnold caminhou, mas foi muito. Agora havia poucas pessoas na pista. Havia muita distância entre elas. Quase não se viam mais veículos parados. O silêncio só era quebrado de vez em quando pelo barulho de aviões da Força Aérea cruzando sinistramente os céus. Era o fim, pensou Arnaldo. Não faz sentido caminhar assim, sem destino. A radiação nuclear vai nos atingir de qualquer jeito, por mais que caminhemos. É inútil.
Não se sabe se o raciocínio de Arnold era legítimo ou apenas uma desculpa para parar. O fato é que, quando ele viu uma pequena casa na distância, tomou uma decisão. Andou quase um quilômetro e viu que na varanda da casa, certamente abandonada, havia uma cadeira de balanço, daquelas antigas. Lembrou-se dos analgésicos que pegara ao sair de casa. Eram mais que analgésicos, eram poderosos soníferos. Arnold sentou-se, procurou o pequeno vidro, abriu-o e engoliu quatro comprimidos com um gole de água. Fechou os olhos esperou o efeito. Ou porque estava muito cansado ou porque estava muito agitado Arnold não obteve o resultado esperado. Tomou mais alguns e dali a pouco sentiu um torpor muito forte. Antes de dormir, porém, seu raciocínio fez uma estranha manobra, e ficou claro que não valia a pena ficar vivo numa situação daquelas. Já completamente dopado, foi engolindo todos os comprimidos ao mesmo tempo que sorvia todo a água da garrafa. Após alguns minutos Arnold estava fazendo a “viagem final” de sua vida.
Foi uma pena. Se ele continuasse vivo, poderia contar o ocorrido para seus filhos e até seus netos. Era uma história e tanto para ser contada. Os terroristas realmente executaram o maior ataque cibernético da história, comprometeram todos os serviços de uma grande parte do país e, definitivamente, estiveram no comando da usina nuclear que ficava a 120 quilômetros da casa de Arnold por algumas horas. Foram dominados finalmente pelo exército e pelo FBI. Tudo voltou ao normal após alguns dias. O fato mudou a história dos sistemas de segurança do país e do mundo. Para o Arnold, entretanto, aquilo foi muito mais do que ele poderia suportar. Ele acabou resolvendo o problema a sua própria maneira, o pobre Arnold.