Flávio Cruz

Esse estranho mundo...

Textos

 
A Visita Improvável
Jennifer e Robin eram grandes amigas há mais de dois anos. Haviam se encontrado na sala de espera de um consultório médico, bateram um papo e transformaram-se em companheiras inseparáveis. Jennifer era viúva e Robin era casada. O marido de Jennifer havia morrido num acidente de carro há cerca de dez anos.
Eram os anos sessenta e a vida naquela pacata cidadezinha de North Dakota era simples, calma e, além das fofocas normais para um lugar como esse, nada mais acontecia. Talvez o a trágica morte de Ronald, marido de Jennifer, no incêndio que se seguiu à violenta colisão entre seu carro e um caminhão numa estrada isolada na periferia da cidade, foi o último grande acontecimento de que as pessoas se lembravam.  Jennifer resolvera não mais se casar. Ronald fora um excelente marido e ela achava que iria se decepcionar com quem quer que o substituísse. Na época ele era o contador  mais conhecido da cidade e tinha muitos amigos. Robin viera para a cidade há apenas quatro anos e portanto tnunca o conhecera.
As duas faziam tudo que podiam juntas. Isso era facilitado pelo fato de que o marido de Robin viajava muito por causa do tipo de trabalho que tinha. Era o que estava acontecendo no  momento. Naquela dia Robin não tinha visto Jennifer e dirigia-se para casa após ter dado aulas o dia inteiro. Estava cansada mas mesmo assim pretendia ver a amiga mais tarde para saber como ela estava. Passaria em casa, prepararia um lanche, se arrumaria e depois iria. Estava pensando em tudo isso quando alcançou a varanda de sua casa. Colocou a chave na porta e notou que a porta não estava trancada. Apesar disso não sentiu medo. Abriu-a e entrou. Para seu espanto havia um homem sentado junto à mesa da sala. Levou um susto enorme e pensou em gritar mas se segurou. O homem estava calmo e sorridente e não se se levantou. Fez sinal para que ela se sentasse também. Por algum motivo ela sentiu que estava segura.
Ele explicou pausadamente que era Ronald, o marido de Jennifer. Falou que tinha muitas saudades dela mas não a poderia ver e precisava de um favor. Robin argumentou “Mas você está morto...” Ele fez um sinal de silêncio e deu instruções bem precisas de como Jennifer poderia achar uma  caixa de metal inoxidável enterrada numa chácara da família. Perguntou então se ela poderia fazer um chá. Robin levantou-se e foi até a cozinha. Quando voltou, Ronald já não estava mais lá. Sumiu da mesma forma como aparecera: como um fantasma.
A seguir, uma grande correria. Robin saiu de casa, tentou achar o improvável visitante mas nada conseguiu. Correu então até a casa de Jennifer. Com o coração aos pulos contou o ocorrido para ela. A viúva reagiu imediatamente, com muita emoção, dizendo que era o espírito de Ronald que lá estivera. As lágrimas brotavam em cascatas. Robin deixou passar algum tempo e logo começou a retrucar aquela ideia maluca de Jennifer. Que absurdo! Obviamente Ronald não tinha morrido. Aquele era ele mesmo! Tinha forjado a própria morte para se livrar de alguma monstruosa encrenca. Jennifer não a ouvia, continuava emocionada.
Mais tarde, foram até o local indicado, cavocaram, cavocaram. Finalmente chegaram até a caixa de metal a que Ronald se referira. E que surpresa! Muito bem embrulhados estavam lá mais de sessenta mil dólares e algumas pequenas barras de ouro. Mais lágrimas começaram, outra vez, a correr dos olhos de Jennifer. Robin contra atacou.
-Você não consegue enxergar? Isto exatamente prova o meu argumento. Ele sabia de algo, conhecia algum esquema, mas tinha de sumir para não ser morto!
Jennifer argumentou que ainda tinha seu relógio de metal, sua aliança com o nome dela inscrito por dentro. O corpo dele estava enterrado não muito longe dali, no cemitério local. Robin explicou para ela que tudo isso poderia ser sido arranjado. Ela devia é ficar bem quietinha, talvez mudar-se e aproveitar a “herança”. Os inimigos de Ronald poderiam ainda estar por ali e perceber que agora ela tinha dinheiro.
Naquela época não havia testes de DNA, não havia nenhuma forma de exumar o corpo sem dar um motivo substancial ou pelo menos citar o dinheiro. A viúva, apesar de discordar completamente da amiga, seguiu seu conselho e foi viver com a mãe, que morava noutro estado.
Nunca ningúem ficou sabendo a verdade. Que importa? A verdade é o que se acredita. Jennifer acreditava no espírito do marido, Robin acreditava numa conspiração, num esquema. Segundo ela, pelo menos o Ronald foi decente deixando um belo pé-de-meia para a esposa.
É isso que vale. As duas tinham suas convicções mas tiveram de desistir da companhia uma da outra. As nossas crenças sempre têm um preço. Nesse caso até que saiu barato...

Flávio Cruz
Enviado por Flávio Cruz em 14/08/2012


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