Flávio Cruz

Esse estranho mundo...

Textos

Recontando...
Leonardo abriu a porta da garagem, deu partida no carro e saiu. Estava com pressa. Uma mão no volante, outra segurando o café quente. O dia no escritório iria ser agitado. Duas entrevistas com os dois candidatos finais para o cargo de encarregado do setor de informática. Uma decisão importante. Depois, uma reunião mais importante ainda com uma pequena empresa que iria contratar os serviços de sua firma. Estariam garantidos para os próximos dois anos. Estava pensando como havia dias em que várias coisas decisivas aconteciam de uma vez. Este era um daqueles. Estava absorto nesses pensamentos quando o celular tocou. Fez uma ginástica danada, colocou a caneca de café no console e atendeu. Era sua esposa. Não era para ele se esquecer de novo das pequenas compras que pedira. Desta vez tinha colocado a lista na sua carteira. Tinha visto? Leonardo fez mais um pouco de ginástica e pegou a carteira. Viu a pontinha do papel amarelo em que ela escrevera. Colocou-a em cima do painel, assim lembraria de pegá-lo quando chegasse no estacionamento, colocaria o mesmo em cima de sua mesa de trabalho e pronto...Não havia como esquecer. Despediu-se da esposa. Na mesma fração de segundo em que desligava o telefone, uma curva se aproximava. Ao virar, a carteira escorregou no painel e veio cair sobre a alavanca que aciona o limpador de parabrisa, que imediatamente começou a agitar-se freneticamente.
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Ato contínuo e automático, Leonardo tenta desligar a alavanca, e ao fazê-lo, derruba o café sobre sua perna. Com tanta distração, a curva ficou muito aberta e ele avançou cerca de um metro na pista contrária. Por uma daquelas coisas inexplicáveis na vida, um caminhão enorme vinha vindo e...acertou em cheio o carro de Leonardo, que capotou. Sua cabeça bateu forte no teto do carro. Além disso seu pescoço foi para frente e para trás...Enfim, Leonardo ainda chegou a entrar na ambulância, que veio logo, mas cinco minutos depois morreu. O caminhão deveria ter parado para pôr combustível 500 ms antes, mas no último segundo, o motorista resolveu passar direto. No próximo posto, o diesel era um pouco mais barato. No escritório não houve reunião, não houve contrato, e os candidatos à vaga de gerente de informática foram dispensados. Além do mal maior, a morte de nosso personagem, a pobre Lúcia e o Ronaldo deixaram de arrumar um emprego. Um deles não ia conseguir de qualquer jeito. A firma que iria fazer o contrato de serviços perdeu um excelente negócio. Havia muitas outras consequências. E consequências das consequências. Tudo isso sem falar na família do Leonardo, que obviamente iria arcar com a maior parte das desgraças. Ele bem que poderia ter sido mais cuidadoso. E a esposa bem que poderia ter esperado um pouco para ligar. Mas não adianta falar. É assim que as coisas acontecem, é assim que a vida das pessoas muda todos os dias. Cada pequena ação pode ter inúmeras consequências e que vão afetar inúmeras pessoas. Nesse caso, tudo foi por causa do telefonema da esposa. Se ela tivesse esperado Leonard ter chegado ao escritório, por exemplo, nada disso teria acontecido... Mas, espera aí...Esta história é minha, posso mudá-la do jeito que quiser. Isso mesmo, vou mudá-la, desculpem o transtorno.Tudo está muito triste. Teresa, a esposa resolveu não telefonar. Ao contrário, queria ver se Leonardo era um marido atencioso, se iria se lembrar das compras. Pois bem, nessa nova história, infelizmente Leonardo não se lembrou do pedido da esposa, chegou à noite em casa de mãos vazias. Briga. Marido sem atenção, só pensa na firma, a casa não é importante..Uma discussão enorme por causa de nada. Ela até ensaiou um começo de choro. Mal sabe ela que tinha evitado algo muito pior. Entre outros benefícios, a firma de Leonardo conseguiu aquele contrato espetacular, o Ronaldo conseguiu um emprego e, por cima, o garçom do restaurante “La Traviata” onde Leonardo foi almoçar para comemorar os bons negócios feitos, recebeu uma gorjeta que há muito não recebia. Bem melhor, hein?? Mas se você é pessimista, fatalista, trágico, melodramático, está bem, pode ficar com a primeira história. Não falam por aí que existem mundos paralelos? Mas não se esqueça de fazer todas as adaptações, medir todas as consequências. Eu já mudei a minha história não vou voltar lá, noutro mundo, para acertar detalhes...E não se esqueça, você vai precisar arrumar um emprego para o Ronaldo e a Lúcia (com essa crise não vai ser fácil)...Não me venha com essa história de que eles compraram um bilhete de loteria e...os leitores não vão acreditar! De qualquer forma, o outro enredo é seu, não vou me intrometer!
Flávio Cruz
Enviado por Flávio Cruz em 15/07/2012
Alterado em 15/07/2012


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