Flávio Cruz

Esse estranho mundo...

Textos

O Vôo dos "Grebes"
Lá vêm eles, num vôo majestoso, entremeando as montanhas, passando por florestas, vales e cidades. Todos sincronizados, em grupo, em direção ao México, seu destino final. São milhares e disciplinados, estão fugindo do inverno rigoroso do Norte. De alguma forma, em seu DNA, está tudo registrado:  curso, distância, tempo. Precisão e eficiência de uma máquina, graça e beleza do mundo animal. São os “grebes”, parentes próximos dos nossos mergulhões. Uma longa e difícil jornada que eles executam como se fosse um ritual, na verdade, um ritual de preservação da vida.
 
grebes+in+flight.jpg
Naquela noite, porém, uma tragédia esperava pelos viajantes. Não se sabe bem como, mas os pobres animaizinhos foram traídos pelas luzes da cidade. Por causa de uma tempestade de neve na cidade de Cidar City, Utah, eles tiveram de baixar a altitude. Ao fazê-lo, se depararam com a iluminação refletindo na neve, dando a impressão de um lago. São aves da água, mal sabem andar, e viram ali uma oportunidade de descanso durante a longa jornada. Ao descer, encontraram o chão duro e frio e morreram às centenas por causa do duro golpe. Outras centenas foram resgatadas e levadas para um rio não longe dali para se recuperarem. O local era um estacionamento do Walmart e sua vizinhança. Não dá para culpar ninguém, faz parte da luta da vida, do esforço pela sobrevivência. Por outro lado, não conseguimos deixar de pensar que a nossa evolução, a nossa, a dos homens, exige muito espaço e recursos. Vamos usando tudo em todo lugar e cada vez mais temos menos para a vida animal. De uma forma ou outra estamos ocupando tudo, pela nossa  própria sobrevivência, mas às vezes também por causa de nossa ganância. Vejo a imagem dos pássaros mortos e sinto uma tristeza profunda. Talvez seja tristeza por nós mesmos, que também somos como pássaros migratórios, que, no processo de nosso desenvolvimento,  e vítimas de nosso próprio desejo e de nossas próprias aspirações, nos encontramos às vezes caindo do alto, sem esperança, para terminarmos em pedaços no chão duro de nosso destino. Que, pelo menos, muitos de nós, sobrevivam para continuar a jornada e escrever a história da civilização.
 
 
Flávio Cruz
Enviado por Flávio Cruz em 07/06/2012


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras