Sarah e o Estado Civil
Antônio havia se mudado há pouco tempo para a Flórida. Tinha um emprego modesto e morava num hotelzinho também modesto, ou como dizia seu amigo, “vagabundo”, mas que mesmo assim consumia boa parte de seus rendimentos. Precisava alugar um outro imóvel o mais rápido possível. Quando vivia com Dolores era tudo mais fácil, a danada “rasgava” um inglês lascado e tudo se resolvia. Estava envolto nessas lembranças quando viu a a placa de “aluga-se”, estacionou e entrou no escritório. Alguns minutos depois a moça convidou-o para sentar-se. Antônio explica para a loira o que queria, embora fosse óbvio. Sarah, esse era o nome da funcionária, faz-lhe a primeira pergunta: -O senhor é casado? Antônio chega a se indignar um pouquinho, “que diabos isto interessa para ela?”, mas responde, meio gaguejando, “que sim, que não...Bem, na verdade estava separado mas ainda não tinha feito o divórcio, pois, sabe,talvez nós voltemos a ficar juntos, claro, que não vai ser fácil...” Sarah não tinha paciência e nem tempo para essa conversa "mole” e explicou rapidamente: -O senhor não divorciou, então é casado. Precisa comprovar uma renda de $ 30,000.00 anuais, preencher este formulário e... Antônio interrompeu e explicou que sua renda era só de $ 23,500.00 mas que, como, na verdade, ele era separado, será que...? Sarah, impaciente, retrucou que se ele fosse solteiro, a renda seria de $ 22,000.00, mas obviamente não era seu caso. Antônio por alguns segundos sentiu saudades de Minas Gerais, e tentou argumentar...”Mas a senhora precisa de uma certidão de divórcio?” Sarah, visivelmente contrariada com a insistência responde: -Não preciso nem de certidão de casamento, nem de certidão de divórcio. O senhor já declarou que é legalmente casado. Não posso fazer contrato com essa renda, não dá. E quando falou isso, esticou seu pescoço e , embora mais baixa que Antônio, olhou de cima. Antônio vasculhou em seu pensamento que palavras usaria , dentro de seu modesto conhecimento de inglês, para expressar a frase “não dá para dar um jeitinho”, ou talvez “quebrar o galho” mas nem de longe surgiu qualquer ideia e, além do mais, sabia, seria inútil. A essa altura, ela já estava fazendo sinal para o próximo cliente se aproximar. Antônio soltou um “thanks” bem humilde, talvez o mais humilde que já pronunciara na América. Sai desolado, pára num Burger King, pede um hambúrguer e uma coca. E pensa e pensa....Ele precisava do apartamento, mais barato, mais limpo...De novo sentiu saudades de Minas. De repente Antônio teve uma ideia. Deixou passar umas duas horas e voltou, com esperança de encontrar uma Susan, uma Jane ou uma Dorothy (esse nome sim era bonito, parecia até com Dolores...). Mas qual nada, mal abriu a porta, lá estava a mesma Sarah, com seus gélidos olhos azuis, cabelos curtos e loiros, muito magra. Acho que mais magra do que antes. Suspirou, esperou sua vez e lá estava ele novamente diante de seu carrasco. Sarah ou não se lembrou que ele viera antes ou fingiu que não se lembrava. De novo estende o formulário, explica a renda mínima para cada caso e pergunta: -O senhor é casado? Antônio falou com decisão que era separado e, com o coração palpitando, ficou esperando por pedidos de maiores explicações, maiores detalhes. Mas não, a Sarah então perguntou se ele tinha renda a superior a $ 22,.000.00, requisito para quem não era casado, e Antônio, orgulhosamente explicou que sua renda era de $ 23, 500.00. Preencheu os documentos e no mesmo dia teve o apartamento à sua disposição. Naquele dia aprendeu uma grande lição para se viver na América. Fale apenas o necessário, nem uma palavra a mais, nem uma palavra a menos. Essa Sarah, afinal de contas, não era tão ruim assim... Flávio Cruz
Enviado por Flávio Cruz em 03/04/2012
Alterado em 04/04/2012 |