Flávio Cruz

Esse estranho mundo...

Textos

Gabriela, a menina que veio do Brasil
“Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.”
(Gonçalves Dias: Canção do Exílio)
Gabriela.jpg

Gabriela era seu nome mas todos a chamavam de Gabi. Ela era graciosa, formosa, extrovertida e até sabida. Tinha viajado pelo Brasil, tinha terminado o colegial, esperava entrar na faculdade. Daí então falaram para ela sobre os Estados Unidos. Lá sim que que as coisas eram diferentes, primeiro mundo, coisa fina. Gabi entrou numa excursão, tudo lindo, maravilhoso, Mickey Mouse, princesas, brinquedos fantásticos.. E, além do mais, toda hora tinha gente olhando para a beleza dela. Ela fingia que não via, afinal, ela era uma menina de classe. Voltou, fez história entre os amigos, todos queriam saber de tudo, todos queriam ouvir. Ela contou, contou e até aumentou! Estados Unidos, isso sim é que é um país!
Algum tempo passou e o assunto era sempre esse. Alguns contaram de brasileiras que tinham ido para ficar e gostaram, se deram bem. Estavam ganhando uma grana e um dia poderiam até ficar famosas. Conversa vai, conversa vem, decidiu que era isso o que queria. Os pais, claro, contra. “Não vê a vida boa que você tem aqui?”, dizia a mãe. Você pensa que é tudo cor de rosa?”, dizia o pai. O mano Gabriel mais novo, já fazia os planos para “pegar” o quarto dela. Teimosa que era, acertou com a prima de uma amiga de uma conhecida que vivia por aqui, um lugar para ficar. Já tinha visto de turista, depois daria um jeito para ficar, quem sabe até casar com um jovem americano famoso, nunca se sabe. Claro só se ele a amasse, pois como já disse, ela era uma menina de classe, de família.
Gabi chega, a tal conhecida não sei de quem, recebe-a no aeroporto e ela vai feliz rumo ao sucesso, quero dizer, por enquanto para o apartamento simples que ia dividir. Para ser franco, ela não gostou muito do quarto onde ia ficar, mas fingiu para si mesmo que estava tudo bem, afinal era tudo temporário. A vizinhança também não era das melhores, mas, como já tinha dito para si mesmo, era só por enquanto. A nova companheira dá uma volta pela redondeza com seu velho carro e mostra onde tudo está, “dá as dicas” e os cuidados que deve ter. Dia seguinte, vai procurar emprego nos lugares que Dolores, a nova colega, já conhece. Antes tomam café na lanchonete da esquina. Tudo esquisito, bem diferente do café da manhã que tivera na excursão. Fulano sem educação, aquele do caixa, nem conseguiu explicar direito o que havia para ser servido. De qualquer jeito não iria adiantar, eles não tinham nada do que ela gostava mesmo.
Finalmente chegam na agência de emprego de uma brasileira, que nem parecia mais brasileira. “Preenche a aplicação, o que não sabe, deixa em branco.” Gabi não gostou do jeito dela, não. “Só tem vaga para hotel, a mulher explicou.” Pensou, está bem, vamos começar com hotel, depois vemos coisa melhor. Dia seguinte lá está ela para treinar para o novo emprego. Sobem para um quarto, e aprende a arrumar a cama. Ela não tinha entendido, ou não quis entender, que era aquilo que ia fazer no hotel. Poderia ter sido outra função. Pouco tempo depois aprendeu que isso era o que quase todas faziam, pelo menos quem não tinha documentos. No intervalo, a conversa das outras "funcionárias" era muito esquisita, falavam português, mas não era nada que ela entendesse.
À noite liga para a mãe, e diz que está bem e feliz. Fala que já tem emprego mas não dá detalhes, está tudo bem, não poderia ser melhor. Dar o braço a torcer, isso não era Gabriela, não. Faz pequenas compras para preparar algo para comer pois a Dolores trabalha até tarde e vai comer fora. Dos cinco itens que queria só achou um e ainda era meio esquisito. Esquisito? Tudo era esquisito. Comeu biscoitos e uns restos da geladeira. Assistou a TV e com o pouco inglês que tinha conseguiu entender que não dava para entender nada. Era tudo muito estranho. Agora, pensando bem, até a Dolores era meio estranha. As brasileiras do hotel eram estranhas. O quarto também, o prédio, tudo. Nos dias seguintes, tudo ficava mais e mais esquisito. Compreendeu que tinha cometido um erro. Em pouco tempo, já estava sentindo uma saudade danada da mamãe, do papai e até do irmãozinho chatinho. Da padaria e da venda próxima a sua casa no Brasil, nem falar.
E as amigas? Aquelas sim, eram amigas de verdade. Precisava voltar imediatamente. Conseguiu um lugar no vôo do dia seguinte. No aeroporto em São Paulo, todo mundo esperava por Gabi. Deu e recebeu os melhores abraços de sua vida. Até o o chatinho do irmãozinho Gabriel foi afetuoso. Gabriela não sabia que o Brasil era tão gostoso...Depois disso nunca mais Gabi entendeu porque o pessoal fala tão mal do Brasil...Da sua parte, ela não troca o Brasil por nenhum outro país desse mundo!!!
Como todos nós sabemos, tudo é relativo. Dolores continua muito feliz por aqui, acha tudo muito prático e fácil. Tem confiança no futuro e também adora o Brasil, mas só para passar férias...quando sobrar algum dinheiro, claro!


CRÔNICAS AMERICANAS


http://cronicasamericanas-englishlinks.blogspot.com/

Flávio Cruz
Enviado por Flávio Cruz em 02/04/2012
Alterado em 04/04/2012


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras