Flávio Cruz

Esse estranho mundo...

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Um ser humano como nenhum outro

Duzentos e trinta e sete anos haviam se passado desde que o primeiro computador pessoal maravilhou nossa civilização. Depois foi tudo muito rápido. Celulares, Internet das Coisas, tudo começou a evoluir de forma exponencial. A Inteligência Artificial começou modesta, mas rapidamente tomou conta de tudo. Nessa época os robôs já trabalhavam de maneira discreta na produção, no dia a dia das pessoas. A uma certa altura, no entanto, eles começaram a tomar formas humanas, e, mais importante, assumiram nosso jeito de agir, nossos modismos, nossa maneira de pensar. Não tinham a consciência de si mesmos, mas tinham algo parecido, uma espécie de simulação.
Rubert morava em Kansas City, ou pelo menos o que tinha sido Kansas City num passado remoto. Gostava de andar pelas ruas ou “venues” como passaram a se chamar. Os veículos de transporte pessoal flutuavam como se estivessem em um colchão de ar: alguns vazios, outros com humanoides executando serviços diversos. Há mais de 50 anos os líderes tinham decidido reduzir drasticamente a quantidade de humanos. Usaram todos os recursos da Ciência para isso. Até certo ponto os detalhes do programa foram revelados, mas a partir de um determinado estágio, eles se tornaram-se segredo de estado.
Fazia um bom tempo que Rubert não se sentia tão entediado como naquele dia. Tinha entrado na cápsula regenerativa pela manhã, para equilibrar seu físico e seu emocional e, ainda assim, não se sentia normal. Ao ver todos aqueles seres passarem, tentava imaginar quantos seriam humanos e quantos seriam humanoides. Praticamente não havia diferença externa. E este era um fator interessante. Os segundos eram capazes de diferenciar seus semelhantes dos humanos através de ondas de vários tipos que recebiam. Já os humanos não tinham essa habilidade. O fato era que os humanoides estavam chegando perto da perfeição. Nos últimos dez anos a Ciência tinha conseguido implantar nas máquinas um conjunto de características conhecido como “kit senso-emocional”. Junto com ele, uma simulação quase perfeita de autoconsciência. Nas últimas décadas, cada vez que a Ciência e a Tecnologia davam um grande passo como esse, todos achavam que era o ápice, o fim. Logo depois todos se surpreendiam com um novo avanço.
Rubert sabia que algo estava errado com relação à cápsula regenerativa que tinha usado pela manhã. Era uma máquina construída para não falhar. O fato dele ainda estar angustiado era preocupante. Continuou a andar e aquilo não saía de sua cabeça. Ao virar uma esquina para a direita, viu um daqueles conhecidos postos de revisão, onde os humanoides vinham frequentemente se recarregar e fazer uma autochecagem. Embora ele não funcionasse com humanos, teve uma intuição. Entrou no pequeno compartimento e antes que procurasse por instruções, uma voz ordenou que colocasse a mão na esfera que acabara de se iluminar à sua frente. A voz anunciou que estava fazendo a leitura de sua identidade. Rupert pensou consigo mesmo naquela outra imperfeição. O sensor deveria automaticamente identificá-lo como humano e ordenar sua retirada do recinto. Alguns segundos depois uma voz anunciou que sua identidade não estava disponível ao público em geral. Rupert achou a experiência ainda mais estranha e decidiu ir mais fundo em sua pesquisa. Afinal de contas, ele tinha vasta experiência com todos os tipos de instrumentos de Inteligência Artificial. Depois de vários artifícios, conseguiu finalmente uma informação em que podia confiar. Ele era, na verdade, um humanoide classe HY-322, forma avançada, em estágio de teste.
Era o que suspeitava, mas estava evitando confessar a si mesmo. Enquanto saía, a máquina ainda advertiu:

-Essa informação será deletada em 3 segundos para evitar conflito de identidade. A essa altura, porém, Rupert já não ouvia mais nada. Estava novamente em módulo humano, certo de ser um ser superior, uma pessoa, com autoconsciência, sentimentos, etc. Rupert sorriu e continuou. Gostava daquela vida, não se sentia mais aborrecido. Olhou para uns humanoides que passavam e pensou consigo mesmo: Não queria ser como eles, era muito bom ser humano...


 
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Flávio Cruz
Enviado por Flávio Cruz em 16/10/2016
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