Flávio Cruz

Esse estranho mundo...

Textos

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A Jéssica se olhou no espelho


Jéssica já conhecia aquele lugar, já tinha sonhado com ele. Tinha dormido bem, como não acontecia há algum tempo. Acordou na relva. A grama, entretanto, tinha folhas grandes, enormes. Ainda assim, reconheceu o ambiente. Os arbustos eram altíssimos e não do tamanho como ela conhecia. As árvores de agora, da realidade, eram dezenas de vezes maiores. Mal se podia ver suas copas.
Era tudo verdadeiro agora, não era um sonho. As trilhas de antes tinham aumentado muito de tamanho. Rapidamente veio-lhe à mente o óbvio: a paisagem era exatamente a mesma, ela é que tinha diminuído muito. Estava irrisoriamente pequena. Começou a andar. Logo ouviu o barulho das águas. Parecia um grande rio, o que tinha sido um riacho. O cheiro forte da vegetação entrava-lhe pelas narinas. Apesar da inusitada situação, estava curiosa. Jéssica sempre fora assim, inquisidora, inteligente.
Pensou em algumas explicações para o que estava acontecendo, para o que estava vendo. Será que aquilo era a sua realidade e, o tempo todo, anterior, era apenas uma ilusão? Tinha estado inconsciente durante muito tempo e agora estava voltando? Sabia que não teria respostas gratuitamente, teria que procurá-las. Continuou andando. Como conhecia a região, sabia que era demorado ir de um ponto a outro. Nos sonhos, aquela meia hora que ela tinha andado, teria durado um minuto, no máximo. Isso não a desanimou. Continuou andando.
Estava bastante cansada e resolveu sentar-se um pouco debaixo de uma sombra. Suspirou e começou a passar os olhos por tudo. Depois de alguns minutos, sabia exatamente onde estava. Lembrou-se de que, em todos os sonhos que tivera, ela parava por ali e procurava em sua bolsa um daqueles pequenos espelhos com um cabo, que os dentistas usam para olhar os dentes de seus pacientes.  Fazia isso pensando que talvez o instrumento pudesse ser útil. Não fazia sentido, mas pensava. Daí, de repente, em seus sonhos, o espelhinho lhe caía das mãos. Ela se ajoelhava e tentava achá-lo no meio da relva alta. Nunca conseguia. Depois desistia, e pensava consigo mesma, rindo, que podia ser útil para algum inseto. Poderia ver sua própria carinha. Achava engraçado pensar assim e continuava.
Estava pensando nessas coisas quando um reflexo, não muito longe dali, ofuscou seus olhos por um momento. Caminhou naquela direção. Uma coisa inquietava seu espírito. Demorou um pouco para chegar. Foi aí que tudo ficou claro. Lá estava o espelho de dentista, escondido no meio de umas plantas. O mesmo que antes ela tinha deixado cair.
Estranha aquela conexão do sonho com a realidade que estava vivendo agora. Por outro lado, interessante, inquietante. Fazia bem para seu espírito. Assim era a Jéssica, não tinha medo, era muito curiosa. Foi chegando, foi chegando, até estar praticamente junto ao espelho. Obviamente queria olhar para seu rosto, ver como estava. O ângulo não era bom, o espelho estava um pouco virado. Foi indo para a esquerda de modo a ficar frente a frente com ele. Notou, então, que tinha companhia. Pelo reflexo podia ver que uma formiguinha também estava interessada em ver sua própria imagem. Não parecia agressiva. Aproximou-se um pouco para ver se ela se movia, dando assim espaço para ela se olhar. Posicionou-se praticamente na frente e mesmo assim não conseguia ver seu próprio corpo, seu rosto. Balançou a cabeça em sinal de impaciência, aquilo não fazia sentido. Para seu susto, percebeu que a formiguinha fez exatamente como ela, balançou a cabecinha, impaciente.
 Jéssica, como foi dito, era muito inteligente e muito curiosa. Mesmo assim, demorou um pouco para ela perceber o que era mais do que óbvio. Ela era a formiguinha. Como tinha acontecido? Desde quando?
Ela sempre gostou muito de insetos, de bichinhos e, por isso, não estava desesperada. Pensou, pensou. Talvez, ela sempre tenha sido um formicídeo e por algum tempo tinha sonhado que era humano. Essa era, de longe, a melhor explicação. Devagar, ela foi perdendo o raciocínio. Não conseguia mais pensar. Só sentia as coisas. Nem mais sabia que era humana. Olhou para o espelho, bem perto, e viu que aquilo não era alimento. Juntou do chão uma folha, a maior que podia carregar e foi saindo. Precisava achar sua turma, trabalhar.
A formiguinha continua por aí, trabalhando, trabalhando. Nunca mais sonhou, nunca mais achou que era humana ou que se chamava Jéssica. Acho mesmo que ela sempre foi um inseto. Definitivamente, Jéssica sempre tinha sido uma formiga. Uma formiga muito inteligente e curiosa.

 
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Flávio Cruz
Enviado por Flávio Cruz em 27/05/2016
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