Flávio Cruz

Esse estranho mundo...

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 Uma viagem completamente diferente

Jamie estava de novo com aquela cara estranha. Era a segunda vez na mesma semana. Se fosse só a cara, não haveria problema, mas era muito mais que isso. Ele também estava agindo assim, como se não fosse ele. Falava coisas esquisitas, de uma maneira única, como se fosse uma outra língua. Olhava com desespero para as pessoas, como se quisesse respostas, como se estivesse perguntando ou querendo dizer algo. Quando voltava ao normal, entretanto, não se lembrava de nada. Seu irmão Jack tinha decidido que o levaria até Atlanta, para o novo Centro Nacional do Cérebro, para fazer alguns exames.  Desde que, em 2019, Os Estados Unidos tinham terminado o “mapeamento” do cérebro humano, havia muito mais recursos para se fazer um tratamento. O problema era que Jamie estava se sentindo muito bem e não se recordava do incidente. Assim, não via necessidade de tal medida.
Jack e sua cunhada, esposa de Jamie, estavam preocupados. Tinham olhado no computador e havia vários casos como o dele e parecia que eles estavam aumentando. Os incidentes eram muitio parecidos e alguns deles foram levados até o CNC em Atlanta e outras filiais em alguns estados. Nada havia se apurado. As pessoas eram normais, não registravam nenhum tipo de lesão ou doença. Os recursos dessa instituição eram simplesmente astronômicos, não havia a possibilidade de estarem falhando no diagnóstico. A única chance de se obter uma resposta era ter uma pessoa no Centro bem no meio de uma crise. Isso, porém, era quase impossível. Além disso, havia um outro fator. Na grande maioria dos casos, depois de acontecer duas ou três vezes, os sintomas paravam completamente. Havia raríssimas ocasiões em que a pessoa continuava a ter “crises”, mas de uma forma completamente diferente. O “paciente”parecia estar em transe, não falava, não se agitava. Olhava, apenas, com multiplicada atenção para tudo, objetos e pessoas, sem dizer uma palavra. Caminhavam pela casa ou pelo lugar onde estivessem, examinavam tudo com muita curiosidade, como se tudo fosse novidade. Depois de algum tempo, voltavam ao normal. De repente, sem aviso. E, depois, não sabiam de nada, não se lembravam de nada. Era o mês de julho de 2024. Jamie acabara de ter mais um ataque. Tinha evoluído. Foi daqueles bem calmos. Sem falar, sem ficar obsessivo. Simplesmente olhava tudo e todos com extrema curiosidade, incluvise seus parentes próximos e seus próprios objetos, como se não os conhecesse. Daí “voltava” como se estivesse tudo normal e nada tivesse acontecido. Não se lembrava de nada.
Esses incidentes foram registrados nos arquivos médicos e depois esquecidos. Os casos foram ficando raros até desaparecerem.
Três séculos depois, o cérebro estava sendo estudado, analisado e compreendido a nível atômico, a nível de subpartículas. A maior das descobertas foi que todos os fatos, atos, e incidentes da vida de uma pessoa eram sintetizados de uma forma extraordinária e arquivados naturalmente a nível subatômico e, mais surpreendentemente ainda, eram transferidos de pai para filho, indefinidamente. Cada ser, então, podia-se dizer, tinha  toda a história de seus antepassados. Não se sabia ainda até quantas gerações atrás se podia voltar. Já se sabia, entretanto, que era possível “descompactar” esses arquivos, abri-los e analisá-los. Quando se fazia isso com o cérebro de uma pessoa, entretanto, os cientistas se deparavam com uma fantástica quantidade de dados. Nenhum deles havia conseguido transformá-los em material “legível”. Era como se estivessem frente a uma mensagem codificada pela natureza de uma maneira tão criptografada, que era de impossível decodificação. Os cientistas americanos resolveram  navegar por outro caminho, completamente diferente. Resolveram tentar uma espécie de “viagem” para o passado, através do cérebro do indivíduo. A grande desvantagem era que precisariam de verdadeiras “cobaias” humanas para isso. Parecia pouco provável que fossem consegui-las. Para sua surpresa, porém, apareceram inúmeros candidatos. Numa sociedade onde havia poucos desafios, a possibilidade de “viajar” no tempo parecia  uma aventura cheia de apelos. Curiosamente, os físicos teóricos, haviam desisitido, há muito tempo dessa ideia, tanto para o futuro, como para o passado. Agora, os biólogos estavam lhes oferecendo essa nova possibilidade. Era verdade que seria uma viagem só para o passado e só sob a perspectiva de uma pessoa. Mas isso já era bastante.
Vários candidatos tiveram seus cérebros ligeiramente danificados após as primeiras experiências e estavam sendo cuidados pelos responsáveis pelo projeto. Ainda assim, continuavam a aparecer novos candidatos, e vários deles voltaram com resultados interessantíssimos de suas “viagens”.
O “viajante” era instalado numa espécie de tubo de acrílico, cheio de nanocircuitos, que se conectavam com os átomos do cérebro e suas subpartículas. A partir daquele momento, quando a “máquina” era acionada, o paciente deixava de ser ele mesmo, perdia temporariamente sua consciência. Seu cérebro passava a “viver”uma realidade anterior a si mesma, registrada nas subpartículas de seus neurônios. Os cientistas ainda não conseguiam controlar quanto tempo para trás, ou quantas gerações de antepassados, iriam retroceder. Era uma espécie de nave da memória sem controle de velocidade, à deriva.  Era a terceira vez que Lot participava da experiência. Ele tinha ido muito bem nas duas primeiras. Trouxe inúmeras informações, das quais ele se lembrava muito bem. Além disso, inúmeras imagens foram recuperadas de sua cabeça, depois que voltou  do “traslado”. Era o ano de 2327 e na maioria dos experimentos os participantes acabavam “aterrisando” na primeira parte do século vinte e um. Lot tinha conseguido, nas duas primeiras viagens, ver e descrever tudo que vira, as pessoas, suas falas, os aparelhos que eles tinham nas casas. O que tinha atrapalhado muito era a fala. Era difícil coordenar a linguagem, embora fosse a mesma em séculos diferentes. Os interlocutores do passado ficavam assustados, não conseguiam entender e achavam que os “viajantes” nada mais eram que pessoas em algum estado de epilepsia. Desta vez tinha sido combinado que Lot nada falaria para não assustar as pessoas e familiares do longínquo século, na verdade, seus parentes de algumas dezenas de gerações atrás. Em silêncio, Lot deveria examinar tudo. As máquinas, as pessoas, sem assustá-las. O mesmo com a atitude das pessoas, a maneira deles se comunicarem. Deveria tocar tudo que pudesse, andar o máximo possível dentro do pouco tempo disponível, pois as “viagens” nunca demoravam mais de 15 ou 20 minutos.
Em julho de 2024, Jamie nada mais era do que Lot, um parente do futuro, voltando através das subpartículas atômicas de seus nurônios. Mas Jamie nunca poderia sabê-lo. Como poderia? Se pudesse, não acreditaria.
A viagem através do cérebro estava apenas começando. Num futuro não muito longínquo, seria aperfeiçoada. Quando isso acontecesse, Jamie ou qualquer outro humano, receptáculo de um viajante do futuro, nem perceberia o que estava acontecendo. E isso seria o máximo que o ser humano conseguiria em termos de viagem no tempo.

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Flávio Cruz
Enviado por Flávio Cruz em 15/08/2014
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