Flávio Cruz

Esse estranho mundo...

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O velho retrato
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Já faz muito tempo. Era uma rua curta, com casas antigas e os vizinhos todos se conheciam. A Dona Genoveva levantou-se um dia e notou que sua vista estava meio embaçada. Pensou consigo mesma, deve ser coisa da idade. Nem vou amolar o Genésio, coitado. Ele já tem seus próprios problemas. Reumatismo, pressão alta...De que adianta falar? A vida é assim mesmo, essas coisas acontecem.
Mais alguns dias se passaram e sua visão melhorou um pouco. Logo depois, entretanto, percebeu que, apesar de ela não estar mais embaçada, tudo que ela via estava com uma cor esmaecida, apesar de nítida. Numa conversa com sua prima, a Maria, confessou o que estava acontecendo. Qual não foi sua surpresa, quando essa anunciou que, com ela, estava acontecendo exatamente a mesma coisa. Coisas embaçadas, melhorando, depois a cor se esvaindo, tudo indo para o branco e preto. Coisa estranha, muito estranha era essa sim. Será que, além da visão se esvair, elas estavam tendo uma alucinação coletiva?
Mais duas semanas se passaram e a Maria passou na casa da Genoveva, muito assustada. Aos poucos, tinha ficado sabendo que mais gente estava ficando assim, vendo tudo sem cores. E começou a citar os nomes. Só aí que notaram o óbvio. Todas as pessoas, agora já eram onze, eram da mesma família. Isso não fazia sentido, não tinha lógica nenhuma.
Marcaram uma reunião na casa do Inácio, pois ele tinha um grande quintal atrás de casa, com varanda e tudo. Sábado à tarde, lá estavam todos reunidos, discutindo o assunto. Cada um explicava o que via, o que sentia. Nem precisava, era tudo a mesma coisa. Inácio, então, reparou que, assim que alguém terminava de falar, essa pessoa parecia ficar estática, parada. E o branco e preto virava sépia. Um a um, todos eles. Ele foi a último a falar. Mas parecia estar falando para ninguém. Todos estavam parados, olhando para ele, como ses estivessem tirando uma fotografia. A cena toda parecia um grande retrato em cor sépia.
No seu escritório, lá no fundo da casa, muitas e muitas décadas depois, Roberto olhava fotos antigas. Mostrava para seu filho quem era quem. Contava para ele como seu bisavô, Inácio, gostava de tirar fotos, ou “retratos”, como se dizia antigamente. Quem contou isso para ele foi sua mãe, a Margarida. Disse ela que o Inácio fez um esforço enorme para comprar a melhor máquina fotográfica da época. Ele mesmo revelava os filmes.
Roberto, foi explicando para o garoto, Alberto Jr, quem era quem naquela foto com dez pessoas. Explicou que o lugar era uma antiga casa que não pertencia mais à família, mas que era perto dali. Lá estava a varanda. Cinco pessoas sentadas, cinco em pé, todos olhando para a câmera. Tinham um olhar entre surpresa e susto, misturados a uma meiguice que ele podia notar também em sua mãe. Foi aí que o Alberto Jr perguntou:
-Papai, e o seu bisavô Inácio, onde ele está?
-Ele não aparece, filhão, porque está tirando a foto. Lembra, ele que tinha a máquina e adorava fotos? Ele sempre dizia, segundo minha mãe, que uma foto eterniza um momento. Uma foto, vista muito, muito tempo depois, era como se fosse um retorno à vida daqueles que ali estavam. Por um momento, eles estariam vivendo novamente.
Alberto Jr estava com os olhos bem abertos, um pouco assustado, um pouco admirado. Lá no fundo, desejava que isso fosse verdade. Gostaria de poder conversar com o seu Inácio, nem que fosse só por uns minutos. Desde esse evento, sempre que podia, dava uma fugida para o escritório do pai e ficava vendo o velho retrato, em cor sépia. Podia jurar que estavam sorrindo para ele...podia jurar que estavam vivos!
 

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Flávio Cruz
Enviado por Flávio Cruz em 24/12/2013


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