Flávio Cruz

Esse estranho mundo...

Textos

Uma Luz Azul

 
Javier estava pilotando um Cessna Citation numa região árida do México. Eu conhecia Javier há pelo menos três anos. Era um excelente piloto. Havia nascido na Califórnia de pais mexicanos e há alguns anos atrás resolvera mudar-se para a terra de seus pais. Recebera um convite de uma companhia para trabalhar como piloto. Estava voltando de uma viagem em que  deixara o presidente da firma para uma reunião importante. Voltaria para pegá-lo em dois dias. Enquanto olhava aquele magnífico céu azul, Javier pensava como ele era feliz. Ele adorava voar. Estava sendo pago para fazer a coisa de que mais gostava. Em duas horas chegaria a seu destino. Quase que torcia para que a viagem durasse mais. Achava quase injusto ele ser tão feliz em comparação a tanta gente que ficava aborrecida o tempo todo com o que fazia.
Estava imerso nesses pensamentos quando viu ou pensou que viu uma luz forte, distante e azul. Foi como um “flash”, logo sumiu.Voou mais quinze minutos e ficou com aquela procupação na cabeça, aquela luz estranha. Nada que ele pudesse identificar. Quando você está no ar, quer saber de tudo, não gosta de mistérios. Estava  para abandonar esses pensamentos quando a luz azul, de novo, brilhou. Desta vez estava mais perto e durou mais. Antes que pudesse fazer conjeturas, mais uma, mais outra e mais e mais...Desmaiou...
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Javier não sabia quanto tempo havia se passado quando acordou. Estava ainda dentro do avião, no chão. Aparentemente o aparelho estava inteiro, embora bastante inclinado para o lado esquerdo. Ainda zonzo, abriu a porta, repetindo para si mesmo várias vezes “estou vivo, estou vivo...” Deu uma volta ao redor de sua máquina e aparentemente tudo estava em ordem, a não ser pela roda esquerda, que estava completamente destruída.
Era o ano de 1979 e o avião pilotado por Javier era praticamente novo. Estava triste por ver o avião no chão, impossibilitado de voar. Foi aí que se deu conta do mistério. Como chegara até ali, como pousara, se estava inconsciente? Um turbihão de ideias e possibilidades passaram pela sua cabeça, nenhuma delas, porém,  com qualquer mínimo de lógica. Resolveu andar e conhecer os arredores. Era uma planície com arbustos baixos, algumas árvores pequenas cá e lá, além de montes bem pequenos incrustados com rochas. Javier andou com um pouco de dificuldade. Tinha algumas dores mas aparentemente nada de grave acontecera com seu corpo. Andou cerca de dois quilômetros quando ouviu uma voz.  Procurou, procurou e depois viu um homem não muito alto, vestido com uma espécie de uniforme e que estava acenando. O estranho permaneceu sentado e apresentou-se como sendo Arturo.
Arturo também era piloto. Seu avião, um Cessna 172, passara por experiência semelhante, porém uma das asas havia se partido. Ele também vira as luzes azuis e não tinha a menor ideia de como havia pousado. Estava triste pois, segundo ele, a aeronave tinha apenas dois anos de uso, havia sido comprada em 1959.
Javier notou que Arturo falava coisas desconexas, talvez estivesse desorientado com a experiência. Falou que estava lá há muito tempo, mas nada acontecia, ele não comia, não dormia, não sentia nada. Era como se o tempo não existisse:
-Eu sei que o aparelho que puseram em meu tornozelo tem alguma coisa a ver com isso. Sinto vibrações estranhas.
Levantou um pouco a barra da calça e mostrou um estranho anel colocado logo acima de seu pé. Javier, por mais estranho que achasse o tal do aparelho, estava ligado em outras coisas. Estava tentando entender como seu avião descera enquanto ele estava inconsciente. E agora outra coisa ainda mais estranha o incomodava:
-Arturo, eu sinto muito sobre o seu acidente...
-Agora não sei mais se foi acidente...
-Como assim?
-Sabe quando falei que estou aqui há muito tempo? É muito tempo mesmo.
-A respeito disso, tem uma coisa que eu não entendi direito...Você falou que sua aeronave foi comprada há dois anos, em 1959...Mas nós estamos em 1979...?
-1979? Eu sabia que era muito tempo, mas não tanto assim...Puxa, 1979. Às vezes parece tanto tempo, às vezes parece que foi há uns minutos atrás. É estranho, muito estranho. Queria entender.
Arturo começou então a falar convulsivamente. De homens altos, sem cabelos, com uma pele diferente. Eles não falavam, mas era como se falassem, você entendia tudo o que eles queriam que você entendesse. Às vezes, explicou Arturo, “escutava” coisas que eles não queriam que ele escutasse. Ouviu no seu pensamento sobre o “portal do tempo”, que eles tinham de esperar. Alguns já foram...
-Além desses homens estranhos, existem outros aqui?
-Sim, pelo menos uns 15. Mas eles foram embora, quero dizer, foram levados pela luz azul, não não é uma luz, é como se fosse um avião do futuro. Aquelas pessoas...Havia três crianças, três mulheres, um jovem e os adultos. Eu falei com eles, depois eles foram levados embora, eu não pude ir junto, qualquer coisa do “portal do tempo”, eu tinha de esperar. Mas os homens estranhos estão voltando, eu acho que você vem comigo, eles estavam esperando você, eles sabiam que você estava vindo. Sabe, esse aparelho na minha perna? É com ele que sei as coisas, que sei o que eles estão falando comigo, acho que é ele que faz o tempo voar, não sei...
-Fala mais sobre as pessoas que estavam aqui. Como elas eram? Vieram de avião também?
-Meu amigo, posso chamar você de amigo? Aquelas pessoas não sabiam o que era um avião, nunca tinham visto, não. Além disso, eles falavam de um jeito estranho, usavam algumas palavras que eu só tinha ouvido quando eu era muito pequeno, de meus avós. Sabe de uma coisa, eu acho que eles estavam aqui há muito mais tempo do que eu...muito tempo. As roupas que eles usavam não conheço nem de fotografias antigas, só de desenhos. Acho que eles estavam aqui há muito, muito tempo...Mas acho que eles não sabiam ou não ligavam. Eles também tinham o aparelho no tornozelo. Finalmente eles foram embora. Javier, este é seu nome, certo? Pois bem, Javier, eu acho que os homens altos estão voltando, eles vão por o aparelho em você agora...Eu era muito diferente antes de vir aqui. Eu trouxe um espelho do meu avião e vi como eu tinha mudado. Fiquei mais jovem...Você quer se olhar no meu espelho?
Javier, de repente, percebeu algo que o estava incomodando há algum tempo e que, devido à excitação toda, não se importara. Foi então que passou a mão pelo rosto e viu que havia algo diferente: ele, agora, tinha um bigode. Pegou o pequeno espelho que Arturo estava oferecendo e teve o maior susto de sua vida. Ali estava o seu rosto de pelo menos 15 anos atrás, pele lisa, cabelos negros e...bigode. Meu Deus! Definitivamente, algo realmente extraordinário acontecera. Foi aí que Arturo falou:
-Sabe, eles estão voltando. Eu sei o que vai acontecer. Vai haver uma explosão sem barulho, uma luz azul que parece cobrir o mundo todo, e aí as coisas mudam de novo. Com certeza você vai estar com o aparelho no seu tornozelo e eles vão começar a conversa silenciosa com você.
-Arturo, eu tive uma ideia, uma intuição. Você quer vir comigo?
-Meu amigo, meu destino já está certo e acho que o seu também está, não tem como fugir. Mas se você tem um instinto, vá em frente...Acho que você tem de seguir...Instinto é uma coisa boa. Eu não tenho mais, sabe este aparelho...
Arturo fez um movimento com o rosto como quem diz; “Vai, meu amigo, vai”. Javier, então, com muita dificuldade, começou a andar de volta para seu avião.Tudo doía. O ar parecia mais denso, mais carregado. Ele, como Arturo, sabia que algo estava para acontecer novamente. Sentou-se numa rocha por alguns minutos, reuniu novas forças e seguiu, agora com mais velocidade. Graças a Deus, lá estava seu querido Cessna. Com dificuldade entrou no aparelho e fez o motor funcionar. Por algum motivo sentiu-se aliviado, embora não houvesse lógica nenhuma, pois ele sabia que não poderia sair dali, pelo menos de avião.O ar estava se tornando cada vez mais denso e foi aí que ele começou a ver as luzes azuis novamente. Cada vez mais frequentes. Pensou no pobre Arturo e daí não viu ou sentiu mais nada.
O serviço de resgate do México achou o Citation da empresa do Javier três dias depois. As autoridades evitavam falar sobre o acidente. Estavam investigando. Ninguém entendia como ele pousara sem deixar rastro no chão, como o avião não explodira, como só tinha quebrado uma das rodas. No hospital, Javier passava constantemente a mão pelo rosto, procurando pelo bigode que não estava mais lá.  Seus cabelos negros também já não existiam mais. Mas ele se lembrava de tudo. Não poderia falar nada pois achariam que ele estava louco, delirando. As autoridades perguntavam o que ele tinha a dizer. De que se lembrava? Nada. Tudo branco.
-Você disse algumas coisas estranhas durante seu delírio. Você não se lembra?`
Os relatórios sobre o “acidente” tiveram de ser “adaptados”. Ninguém queria parecer estúpido ou qualquer coisa assim. As coisas não batiam. A conclusão foi que o aparelho tivera um defeito no motor e fez um pouso forçado.
Javier contou tudo só para mim, logo após o ocorrido, ainda no hospital. Segundo ele, assim não pensaria  mais tarde que foi tudo imaginação. Fizemos juntos algumas investigações por conta própria. Dezoito anos antes houvera um acidente com um Cessna na mesma região. Nunca encontraram o piloto ou a aeronave. O piloto se chamava Ramirez, Arturo Ramirez. Até hoje o caso se encontrava envolto em mistério. Havia relatos no jornal local de pessoas que, num passado longínquo, sumiam ao passar por aquela região. Talez apenas lendas. Javier mais tarde veio como uma explicação de como tinha conseguido voltar. Ele tinha conseguido porque no momento da “volta” da luz azul, ele estava no avião. Aquilo o salvara. Estava no mesmo lugar quando as luzes azuis voltaram, na hora em que se fazia a transição. Claro é só uma hipótese. E os homens da luz azul, quem eram eles, eram daqui, do futuro ou de outro lugar? Sobre isso o meu amigo não tinha uma opinião.
Javier me fez prometer não escrever nada sobre o assunto até que ele morresse. Pois bem, Javier morreu no mês passado e aqui estou eu a contar a sua história. Não tenho como provar, acredite se quiser...
 
 
Flávio Cruz
Enviado por Flávio Cruz em 09/11/2012


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