Flávio Cruz

Esse estranho mundo...

Textos

William Smith, um bom funcionário
William sempre foi um excelente funcionário. Exemplar. Anos a fio na mesma companhia, honesto, trabalhador. Nunca reclamou, nunca reivindicou. Gostava da companhia, era sua vida. Casado, porém sem filhos. E agora vou ousar, pois certeza não tenho não. Desconfio que William optara por não ter filhos pois poderia se dedicar mais ao trabalho. Sabe, filho é uma tremenda de uma 
william+Smith+1.jpg
responsabilidade...Não, não pode ser. Deixar de ter filhos por causa de uma empresa? Eu sei, não há lógica nenhuma nisto, mas esta ideia continua martelando na minha cabeça. Mais algumas semanas e William faria 27 anos de companhia. Era o mais antigo funcionário. Durante esse tempo todo mudaram os donos, mudaram os gerentes, muita coisa mudou no negócio, mas nada mudou no William, Sempre lá, firme. O segundo funcionário mais antigo tinha 15 anos de firma. William sempre falava disto com orgulho nas conversas, nos intervalos. A companhia mesmo ia fazer 30 anos. Fizeram uma pequena festa quando isto aconteceu. Pequena exposição, mural com fotos antigas, lanche grátis com refrigerante, hambúrguer, hot dog. Não, nenhuma menção especial para o William. Mas ele entendia, não se tratava dele, era o aniversário da empresa, do negócio...No entanto, ficou muito feliz quando alguns o reconheceram nas velhas fotos, vieram e fizeram perguntas. Ele se sentiu muito importante, contou histórias. Histórias que ninguém sabia, nem mesmo os donos atuais. Esses sim poderiam ter falado alguma coisa para ele, perguntado algo. Será que eles sabiam que era ele ali, nas fotos antigas? Também, eles não tinham obrigação de reconhecê-lo. Tantos problemas que eles têm de enfrentar, crise econômica, produção, etc...Ele entendia, afinal, isto é América, temos de olhar para a frente, produzir, “time is money”... Alguns dias depois, foi a vez de William fazer aniversário. Não, não seu aniversário. O aniversário de 27 anos de que eu estava  falando. Aí sim foi uma decepção. Uma palavra sequer, ninguém se lembrou. Ah, sim aquele funcionário com quinze anos, mencionou algo. Mas se você pensar bem, com esta crise toda, quem tem tempo de ficar lembrando deste tipo de coisa?
Passaram-se 34 dias do “aniversário” e William tinha uma tênue esperança de que algum chefe, quem sabe os donos, se desculpassem pela falha da memória e dissessem alguma coisa, quem sabe, talvez, uma plaquinha, uma pequena homenagem. Aí aconteceu algo que ele não esperava. Três da tarde, uma hora antes encerrar seu turno, seu chefe manda um recado que precisa falar com ele. Deveria ir ao escritório imediatamente. William tentou esconder um sorriso de satisfação.  Ele sabia, ele sabia. Uma data assim não poderia passar em branco. Ele aceitaria o pedido de desculpas e tudo mais. Afinal ele não era do tipo que guardava rancores, não seria profissional. Chega na sala, senta-se.  O chefe sem olhar diretamente para ele, continua a mexer nuns papéis. E diz qualquer coisa como ( não se lembrava direito pois ficou meio zonzo) “Mr. Smith, amanhão o Sr. não precisa vir mais, não precisamos mais de seus serviços, é uma reestruturação que estamos fazendo.” William não se lembra se ele falou “obrigado” pelos 27 anos e mais 34 dias. Ele se lembra que o chefe falou que iria pagar aquela hora que faltava, que ele poderia ir embora. Não, não precisava daquela hora, só queria receber o que trabalhara... Ainda desnorteado, no caminho de casa, uma coisa  no entanto não saía de sua cabeça. Todos sempre o chamavam de William ou Bill. Por que foi chamado de Mr. Smith? Não conseguia entender...que falta de consideracão, não parecia que era ele...Mr. Smith?

LEIA MAIS: CRÔNICAS AMERICANAS
Flávio Cruz
Enviado por Flávio Cruz em 25/05/2012


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras